sábado, 29 de outubro de 2011

Soltem a Magdala - Capítulo 2


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No capítulo anterior os Prejudicados bateram à porta. Mas sendo o preço da liberdade é a eterna vigilância, recorre-se primeiro aos últimos recursos.

Falcão – (Com bolas de gude) Tá brincando, não troco esta esverdeada por nada deste mundo. Sente só a firmeza. Uma esfera perfeita. Repara como desliza... quase não é preciso esforço...
Volupo – Falcão, quantas vezes já te disse que este esporte não dá futuro pra ninguém. Porque você insiste em ser diferente, meu filho? Alguém me lembra de assinar um decreto proibindo, de uma vez por todas, a prática deste jogo. Burocrácio, como andam as coisas?
Burocrário – Na mesma. Com ligeira tendência de queda.
Volupo – Continue monitorando a bagaça.
Burocrário – Estou indo agorinha mesmo pra Central de Balelas e Quejandos.
Falcão – (Ao Burocrácio) Epa, paradinho aí: devolve a gordinha!
Burocrácio – É mesmo uma belezura! (Devolve)
Falcão – Mas não é pro teu bico.
Volupo – Posso falar?
Falcão – Vamos nessa.
Volupo – Negócio seguinte... Ai, cansei: conta pra ele Baleia.
Baleia – Os Prejudicados mais uma vez botam as manguinhas de fora.
Volupo – É você na qualidade de ministro nomeado...
Falcão – Permite? Altamente nomeado.
Volupo – Mas que periga ser baixamente nomeado se não acabar com esta anarquia.
Falcão – Primeira providência: Consultar o Conselho.
Volupo – Como “consultar o conselho”?
Falcão – Ué! Como se consulta o conselho?
Volupo – O conselho é você, idiota!
Falcão – Perdão, mesmo sendo eu o conselho, só imitirei um parecer após amplas consultas.
Volupo – Agora deu! Quem ele que é: um democrata?
Falcão – Perdão de novo mas, tudo deve ser feito dentro da mais estrita legalidade. (Abre caderneta) Vejamos... Está bem aqui: blá, blá, blá... hum, hum, hum... Táqui: Inciso XXXVIII, parágrafo 27, artigo terceiro, capítulo VI, do Regulamento pro Seguro Não Morrer de Velho... ponto: Moleza: é botar pra quebrar!
Volupo – Pelo menos parece que sabe ler.
Falcão – Fui! Alguma coisa do comércio, madame?
Devassa – Se não for dar muito trabalho, dá pra passar na pizzaria e trazer uma gigante de aliche, com bastante azeitona?
Falcão – Sinto, mas não tenho xongas.
Devassa – Debita na conta única.
Falcão – Na um ou na dois?
Volupo – Alguém consegue levar as coisas a sério por aqui?!
Falcão – Cada coisa a seu tempo. (Saindo) Se não tiver aliche, posso trazer anchova?
Devassa – Anchova não gosto, traz de pepperoni com bastante toucinho.
Volupo – Ainda mando este cara de volta pro orfanato!
Devassa – Podemos ir agora?
Volupo – Agora não vai ser possível.
Devassa – Você tem que conversar com o médico.
Baleia – Minutinho, excelência.
Volupo – Marquei aula de yoga.
Baleia – Segundinho só.
Devassa – Mas...
Volupo – Deixa o Baleia falar, mulher.
Baleia – É que chegou um primo da cunhada de um sobrinho da empregada da irmã da vizinha da sogra gorda de uma conhecida da mamãe e...
Volupo – E tá procurando trabalho!
Baleia – Não chega a tanto.
Volupo – Devassa, minha flor, ainda temos vagas no Ministério das Forças Ocultas?
Devassa – Qual o nível de instrução dele?
Baleia – Phd em mercandaizing.
Devassa – Hum... talvez pra entubar bracholas no período vespertino.
Baleia – Ele é perito em projetos culturais, acrescento.
Volupo – Manda passar no almoxarifado e pegar uma arara fixa. Mas vou logo avisando, oitenta e cinco por cento do salário vem direto pro bolso do besta aqui.
Baleia – Anotado.
Volupo – Se perguntarem por mim diga que estou em reunião no clube .
Devassa – Nananinanão. O senhor vai visitar a Emengarda. Faz mais de mês que o senhor não comparece.
Volupo – Saco! Já devíamos ter jogado uma pá de cal nesta história.
Devassa – E acabar com o nosso bem bom?!
Volupo – Aquilo é um entulho.
Devassa – Mas é nossa sobrinha e se regemos, regemos em seu nome, lembre-se disto.
Volupo – Mas aquilo é uma inês morta.
Devassa – Fala baixo que ela pode ouvir. Vamos, entre. E bote um sorriso nesta cara de gamela. Cadê a minha fofinha?
Emengarda – Ahhhh...!
Devassa – Titio e titia tão ati!
Emengarda – Ahhhhhhhhhh....!
Devassa – Tê ti foi? Tá dodói ati?
Emengarda – Ahhhhhgggg....!
Volupo – Pára!
Devassa – Deixa de ser grosso.
Volupo – Se já não gostava de repolho, agora então...!
Devassa – Tínhamos que ter evitado aquele acidente.
Volupo – A culpa foi sua. Você inventou aquela reforma estrutural no palácio.
Devassa – A culpa foi nossa. Você concordou inteiramente com o projeto.
Volupo – O que a gente não faz para impressionar a massa!
Devassa – Parece que foi ontem. Sempre fui uma idealista, sabia? Sonhava com um mundo melhor, onde cada um pudesse ir à Paris pelo menos uma vez por ano. Mas o destino é cruel, tá nem aí pras boas intenções. E hoje, o que sou? Uma cética, cuja únicas venturas são alguns míseros trocados que mal dão pra despesas do dia a dia em Miami. Ah, quem me dera voltar ao passado...

Continua...


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