sábado, 25 de setembro de 2010

Uns e Outros

Aquele – Onde estão meus olhos verdes, profundos, perplexos, atônitos, meus olhos verdes poéticos, sombras do que fui, rastros do que serei? Olho-me através deles, vejo-me em outros tantos castanhos, negros, céus... Meus olhos verdes são tons, meus olhos verdes são véus. Meus olhos verdes balançam uma rede na varanda... E se sonham estes teus olhos, com que sonham os olhos meus?

Algum – Eu era poeta e não sabia, pois este dom a mim não pertencia. Antes veio de ti, desde a origem, toda doçura e alegria da sublime poesia.

Este – Uma vida simples, sem luxo. Uma casa no campo, modesta... É tudo quanto quero, pois só existe beleza na Natureza. Banhar o meu corpo no orvalho, inundar minha alma de ar puro... É tudo quanto quero, pois só existe beleza na Natureza. Fugir do cinismo corrupto da urbe, livre dos dogmas obscuros da fé... É tudo quanto quero, pois só existe beleza na Natureza. Basta de excesso, desordem, mau gosto, quero uma ordem comum, fraterna... É tudo quanto quero, pois só existe beleza na Natureza. Que uma musa racional me inspire a gozar por dia um poema elegante ... É tudo quanto quero, pois só existe beleza na Natureza. Digno de espírito, alcançar o sublime ao lado de um amor real e sincero... É tudo quanto quero, pois só existe beleza na Natureza.

Outro – Há uma fantasia já não me veste mais. Uma de olhos inócuos, costurados por serpentes, que perseguem acostumados passos ansiosos de astros no chão caviloso desta aldeia. Já não vocifero mais, já não ergo os punhos em declinações de revolta, afinal trago os membros caídos, cruzado sobre o peito, calcinados de dúvidas e pretensões vadias. Ó rastros circundantes de desprezados ritos! Na névoa inebriante desses sonhos, transita escusa ilha de arruinados portos golpeada por alísios e terrais de prantos. Os frutos deste mapa, geografias passeadas de desejos, aguardam precipícios de agonia. Eis o sentido oculto desse anticlímax, singularidade exaltada pela mística equivocada das horas. Estes espaços cardeais são braços, frouxos, carnes murchas a sustentarem laços de convulsas melodias. Qual a graça desse encanto, ó língua de soluções corruptas? Sabores não me salivam, órbitas não me saltitam, manuscritos não me contemplam neste nada, nesta ausência... Solerte esquecimento, só descaso imorredouro me segue se é que sigo. Outrora desejei o teu começo, hoje que teu fim é óbvio, saboreio migalhas deste progresso, eu, tão culpado, tão omisso, tão pequeno, e ainda assisto, em tuas lixeiras travestidas de altares, inocentes serem exposto ao ignaro assombro das calçadas.

Eu – Um velho globo, um berimbau, um trenzin de ferro e um carrossel... Enfeitai o fundo da lagoa, meus caquinhos, adeus! Mal entendidos, adeus! Meu quinhão de prejuízo, divida ancestral, quitei, agora que fali, tudo que devo é de minha exclusiva irresponsabilidade. Em Ouro Preto dei adeus a tantas coisas: Cine Excelcior, Glauber Rocha, Jequié... o transe do sol na terra, o drama... Aleijadinho, Circo Mequetrefe, adeus! Mara Sandra, Geralda, aquela banda, Vera e Suely, bye bye. Hoje, se devaneio tem desfecho Suruagy, eu não sei quanto ao processo mas é adeus! Uma viagem pode ser só de ida. Uma viagem pode durar uma vida. Deriva de quem navega essa palavra adeus!


5 comentários:

  1. Texto poético, Paulo. E reflexivo com o espelho. Sempre entro em tuas histórias como leitor curioso e das entrelinhas. São tuas letras sublimes!

    Um abraço.

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  2. As múltiplas facetas do ser humano, cada qual pedindo vez e voz e a gente oscilando entre elas. Uma é descanso da outra, até que se busque refúgio na próxima...

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  3. Belíssimo texto, Paulo Laurindo. Poesia pura em uma prosa que escorrega de tão macia!

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  4. Não Paulo, seu texto é tão belo quanto a Natureza, um pouquinho de inveja pode, né?!

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  5. Pronto Lalurindo, tentei escrever um texto onde conto mais sobre o meu relacionamento com Eldenê. Visite lá no IR
    Beijos

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