quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O Sapo Barbudo e a Princesa Magnólia

Era uma vez uma princesinha que morava numa ilha bem distante chamada terra da felicidade nas cercanias de onde canta o sabiá. Um dia, meio sem querer querendo, a serelepe moçoila, que gostava de brincar de bola, deixou a sua jabulani cair dentro da lagoa dos sonhos encaçapados. Pensando que o seu brinquedo favorito estivesse perdido para sempre, desandou a choromingar em alto e bom som, para todo mundo ouvir, e a dizer que assim não era possível, que assim não dava (ops!), que tinha que haver um jeito de retomar sua rotina de folguedos sem a intervenção desastrosa dos ventos que vinham do norte, assim sem mais nem menos, pegando a gente desprevenido, de calças curtas, com as calças na mão (melhor dizendo), tudo por conta da nossa imprevidência costumeira alimentada por pensamentos voltados para o sexo dos anjos e a prosaica fornicação das abelhas. Caída em si com tão altas e exuberantes reflexões, não percebera que à margem da lagoa miravam-na dois grandes olhos esbugalhados de um parrudo e atento sapo que, conforme pode notar na sequência, muito embora trouxesse a língua presa, articulava o verbo de maneira livre, intrépida e solta. - Olhe, quero dizer uma coisa: não é para me gambar não, mas posso botar a sua bola em campo e virar o jogo, coachou numa velada referência à partida que se desenrolava amiúde nos jardins do palácio entre as aves de rapina de plantão e as hienas suspirosas de largas experiências em campos estrangeiros e do além mar.
- Cuméquié?, despertou a donzela, tu és apenas um sapo barbudo. Duvi-dê-ó-dó.
- Quem desdenha quer comprar. Trago sim senhora, e ainda levanto a tua bola. Mas só se me prometeres um beijinho.
- Sai, sapo safado, gabola! Primeiro quer a mão, depois comes o meu braço...!
- Olhe, é pegar ou lagar, quer ou não sua alegria de volta?
- Quero. Mas só um beijinho viu, que sou moça de família!
E o anuro mergulhou nas águas espessas da lagoa e lá no fundo, após lutar dois dias e duas noites com dragão da maldade e os desígnios insondáveis da providência, conseguiu recuperar não só a bola, mas também dois velocipedes, três bonecas, cinco bambolês, uma gaita, um apito e uma carrada de bolas de gude perdidas desde tempos imemoriais pela petizada endiabrada do lugar. Depositou tudo aos pés da princesa e ficou no aguardo do beijo. Mas, a danadinha da menina, cheia de noves horas, tão logo se viu na posse do seu amado brinquedo, botou sebo nas canelas e picou a mula. - Promessa é dívida, gritou o rouco batráquio. Ah, isto não vai ficar assim não! E a partir daquele dia não deu folga à donzela. Para onde ela ia, o valoroso sapo ia atrás... de quina, de banda, de lado... nossa!, batendo um bolão. O rei, vendo aquela marcação cerrada, ordenou que levassem o sapo de volta à lagoa que era o seu lugar, de onde nunca deveria ter saído, onde já se viu? - Mas ó, majestade, vou dizer uma coisa, quero deixar bem claro que só estou cobrando uma promessa.
- Do que está falando, sapo? Disse o regente, bravo.
- Sua filha prometeu dar-me um beijo depois que eu recuperasse a bola perdida nas águas escuras, profundas e cheias de lodo acumulados por anos de descaso pela companhia de saneamento desta nossa querida e saudosa lagoa.
O rei, então, mandou chamar a filha e lhe disse que aquilo não era feitio da nobreza, que promessa era dívida e dívida era para ser paga em moeda corrente e somante, descontadas evidentemente as taxas e emolumentos de praxe estipulados em lei, além do que, algo lhe dizia que aquele entrevero podia resultar num processo deveras desgastante e insalubre perante a opinião pública e privada de dentro e de fora das margens plácidas do combalido reino. Arrependida, a princesa começou a chorar convulsa, como era de costume. E, não conseguindo segurar o saco do choro, meio a contragosto disse pragmaticamente que cumpriria a palavra dada, muito embora estivesse propensa, por educação esmerada e acerba, a deixar o dito pelo não dito visto nas hostes racionais, desenvolvidas, democráticas, liberais e progressistas não era comum esta prática de barganha. Fechou os olhos e deu um selinho na bochecha reconchuda do sapaço ali mesmo diante do olhar incrédulo de todos os presentes. Notícia que foi reportada célere em formato 12, caixa alta, por todas as agências comunicativas daqui, dali e também de acolá, para os ausentes estacionados nos quatro cantos deste mundo véio e capenga de meu deus. E não é que o impensável aconteceu? Quando todos, do alto e baixo clero, apostavam suas fichas na possibilidade de que a maquiagem da esfuziante Magnólia, após acintoso contato, simplesmente borrar e transfigurar o sublime rosto, não é que o sapo barbudo transformou-se num infante varonil, mancebo de quatro costados, macanudo como nunca na história desta ilha se viu em tão alta galhardia? Pois é, finaram-se todos e não tiveram alternativa senão aceitar os altos indices de popularidade que os seus feitos cobravam. Sim, porque tão logo consumado o casamento, o outrora oxidáctilo pôs-se em campo e, movido por audaz e valorosa campanha, não só impediu que a vaca de enfiada fosse parar no brejo como tirou leite das pedras e, sobretudo, não permitiu mais que se colocassem o carro na frente dos bois.

Anos mais tarde, divorciado da Magnólia (que não parava em casa e só queria saber de passear pelos shoppings de miami, caribe e outros paraísos terrenos, dia sim outro também, a bordo de um jatinho cedinho sem compromisso pela associação dos lobistas internacionais a serviços da indústria do teatro de variedades que, dizem a boca pequena, a título da liberdade de dar prensa, urdira um cerca lourenço, uma conversa de raposa com as uvas, visando manter seus privilégios com relação ao monopolio do papel higiênico fabricado no reino e adjacências), o sapo, digo, o jovem, agora senhor absoluto da situação, apesar da turma do conta e do faz de conta, foi agraciado com uma herdeira que, por forças das circunstâncias, gestara na sua própria cabeça, após ter-se casado, em segunda núpcias, com uma chinoca jeitosa que conhecera em suas andanças pelo interior da ilha, uma galeguinha mui prendada chamada Prudência. Mas isto é uma outra história que fica pra depois.


5 comentários:

  1. Adorei essa versão do sapo e da princesa. No fundo, todas as coisas se repetem e tudo é tão diferente!

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  2. Quando não é a princesa a ser desvairada é o sapo que só quer coaxar, nunca seremos ou teremos tudo na medida e pedido exato...
    Obrigada pela visita ontem e principalmente por não abandonar essa princesa que muitas vezes parece mais uma rã...
    Abraços da piquizeira
    Íris Pereira

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  3. Será lenda, Paulo Laurindo? Será história? Nunca se sabe ao certo.

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  4. Uma fábula, me perdoe o clichê, fabulosa. E esse sapo, acho que o conheço de algum lugar, talvez lá prás bandas de Brasília, não?!

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  5. Oi querido,passando pra te deixar um beijo!
    Gena

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