quinta-feira, 11 de março de 2010

Inteligência Coletiva

Nestes tempos tão bicudos, quando atendo ao telefone vou logo fazendo voz de barítono, voz de peito, sentida, daquelas bem cavernosas, oriunda das profundezas das entranhas, como ensinava a inesquecível professora de dicção, Milene Pacheco, nos idos, fugidos e serelepes tempos de EAD. E se me vêm com o invasivo “com quem estou falando” logo de cara – dez em dez cometem, devolvo na mesma moeda: “deseja falar com quem”? Não me permito ser gentil com quem me trata como imbecil. Esse povo do telemarketing não aprende. Os profissionais (?) que viscejam nestes antros de cretinice ainda não sacaram que quando se liga para a casa de alguém, o mínimo que a gente espera é que se identifiquem primeiro, apresentem suas credenciais, questionem se temos disposição e tempo para suas patranhadas e só então, apresentem o negócio. Esta turma, imagino, acredita que estamos ali, sentados no sofá, aguardando, ansiosos, a ligação deles com a oferta imperdível do produto indispensável pelo qual estivemos sonhando toda a nossa vida. É assinatura de jornal, revista, seguro, empréstimo, pacote disto, pacote daquilo, os cambau.

Quase todo santo dia, às vezes onze horas da noite, deram para me azucrinar com uma gravação. A gente fica no “alô, Alô, ALÔ” e nada, nada de ninguém dizer nada, só quando estamos prontos para desligar, entra uma voz gravada anunciando descontos em ligações interrurbanas. Parece tortura. Será que não existe vida inteligente neste planeta? Somos vistos como uma massa de brocóios, sem eira nem beira, nos quais se pode despejar todo tipo de excrecências físicas e metafísicas, em nome do deus mercado, este sim o único que, nas suas vazias cabeças, merece permanecer livre para engendrar e produzir todo tipo de lixo e inutilidade.

Indagorinha tocou o telefone. Era um sujeito dizendo que tinha uma revista bíblica que desejava me entregar e que para tanto precisava do meu endereço. Disse a ele que a minha preferência atual era pelos escritos de Alan Kardec, que se tivesse algum para me ofertar o receberia com prazer. Nada como pedir ajuda do além quando se quer se ver livre de um encosto.

Receberia de bom grado, um telefonena de uma livraria, por exemplo, me convidando para assistir uma contação de hitórias ou a um sarau, ou simplesmente para uma visita sem compromisso à sua loja e, baseado, no meu perfil de leitura, aproveita para me avisar que tal e qual livro daquele fulano que tem uma escrita ou temática próxima daquele outro que comprei no mês passado, está com um desconto razoável. Ou do bar que recebeu um lote de uma cerveja artesanal e me convida para uma noite de degustação e bate papo, com a presença de duas ou três figuras encantadas da nossa emergente raça de impertinentes, verdadeiros arautos e guardiões dos bons costumes.

Negócio não se faz com negócio, negócio se faz com graça. Em tudo tem que ter um pouco de sedução, preliminares e coisa e tal. Não este desfile de mostruosidades que agem como falsas ciganas, nos espremendo, em bandos, contra um muro, insistindo que nem guengas xumbregentas, para que aceitemos suas mercadorias. Isto é assédio. Isto é assalto. E não adianta vir com disfarce.

Outro dia, recebi uma ligação de uma moça, que foi logo perguntando por um tal Eduardo não-sei-das-quantas. Para não parecer grosso, disse que, no ponto do universo no qual me encontrava tal pessoa não existia, sob pena de violar uma lei básica da Física. Ela insistiu: por um acaso, o senhor, não sabe como faço para falar com ele? Mas que sacripanta. Quem ela pensa que é? Uma antiga e saudosa namorada? Diante da minha completa ausência de conhecimento e interesse sobre o paradeiro do tal Duda, continuou, seguindo o adágio: “já que não tem tu, vai tu mesmo”. E, sem que eu pudesse me mexer, foi logo oferecendo uma degustação, pelo prazo de trinta dias, do Estadão. Aí eu afrouxei. Deixei a coisa rolar, decidi relaxar e gozar, afinal estava passando por um estupro moral, melhor não resistir, como aconselha Maluf. Claro que eu poderia ter desligado mas, com certeza, no próximo quarto de hora, ela ou outra me ligaria novamente. Sei como é, eles ficam putos quando você desliga na cara deles e, só de sacanagem, decidem pegar no seu pé, e aí sai de perto, porque vão te ligar a cada meia hora, quando não para te xingarem do tudo quanto é nome feio e ainda te ameaçar de morte na próxima esquina, afinal aquele é o ganha pão deles e que estão trabalhando e não roubando e que merecem respeito e vai por aí afora. O chato só te deixa em paz quando você o trata como um ser dotado de inteligencia, aí ele se encolhe todo e vai curtir seu embaraço murchinho, murchinho. Voltando à menina: como se estivesse me entregando o mais raro dos presentes, disse que a promoção consistia num experimento, no qual, após minha livre e espontânea avaliação, poderia, a minha pessoa, atribuir um valor, um valor considerado justo por uma assinatura anual.

Pensa cá comigo, e se eu decidir pagar zero, será que os Mesquitas aceitariam? Sim, porque zero também é valor, o valor que lhes atribuo, cambada de mequetrefes, fomentadores de intriga, espalhadores de boatos, jogadores de verde, plantadores de casca de banana na calçada...!

Que venha um novo sistema de banda larga que é prá eu ver livre também da Globo. Da Folha e da Veja já me livrei. Não olho nem as manchetes nas raras vezes que vou até uma banca de jornal. Se quero notícias e comentários sobre a vida política, cultural e comercial, desta e outras partes do mundo, vou direto à fonte (possuo computador para que?), ao encontro de uma multidão de gente, pessoas, que dizem o que pensam e o que desejam para o presente e o futuro. Esta Ágora, a praça tão bendita por Castro Alves, é o meu lugar de repouso, sanidade e reflexão. Do que preciso mais?

Como diria o Antonio Celso, no blog Impertinências (papo safo e supimpa): Inteligência Coletiva, meus brodis, Coletiva! A verdadeira Universidade a custo zero mais bem pago do mundo. É claro que no meio disto há os principes nigerianos, a turma neopedófila travestida de cordeiros interetários, os avatares, as “colheitas felizes” da vida institucionalizando o roubo, os líricos pueris, moçoilas e rapagazes catarrentos... Mas aí são outros quinhentos que não vêm ao caso agora.

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