domingo, 27 de dezembro de 2009

O Pomo da Discordia

Semana que passou recebi mais um e-mail de um principe nigeriano. O coitadinho está com seus milhões de dolares presos num banco de não sei aonde e precisa muito da minha ajuda para meter a mão na bufunfa. Fiquei naquela de “dou não dou” e acabei dando uma rapidinha (ô língua!) na Internet para saber mais sobre certas fraudes que são cometidas todos os dias contra nós, pobres e ingenuos consumidores de toda e qualquer bobagem tais como ganhar dinheiro facil, alcançar o paraiso, atingir a felicidade suprema ou simplesmente tirar aquela verruga da ponta do nariz (aliás, vi outro dia, no Largo da Batata, um anuncio onde eram exaltados os poderes uma certa raiz, principalmente no combate a “Empoteça Sexçual” - dá para acreditar?) Navegando, encontrei verdadeiras pérolas da mais alta esperteza humana. Não sei onde foi que li, ou ouvi, que fazer o mal é a coisa mais fácil deste mundo, parece que a gente já nasce sabendo, parece que já vem impresso no codigo genetico - agora fazer o bem é coisa para muitos anos de labuta e sofrimento. A bondade é uma disciplina muito puxada, muitos levam pau nesta matéria. Quem a pratica sabe do que estou falando.
Irei começar pelas mais leves até chegar na que considero a mais safada de todas as investidas para ganhar um troco em cima de otários que, ao contrario dos sabidos, nascem aos montes. Não irei mencionar aqui as fraudes que nos sucederam e sucedem, tipo anões do orçamento, juiz lalau, paulo maluf, fazendas de rãs, mensalões, dolares na meia, na cueca e outras tantas, dado que a proximidade podem fazer de mim um suspeito. Sei lá se não possuo uma conta no Caribe? Se não sou laranja em algum esquema de superfaturamento de obras publicas? Todo dia recebo correspondencias, via mala direta, com meu nome e endereço completos sem que eu saiba de onde foi que eles tiraram aquela informação. Listarei algumas que talvez já tenham caido no esquecimento e são ilustrativas justamente pelo fato de serem exemplares. Ah, tendo tempo, dêem uma passada no site fraudes.org.
A primeira grande fraude historica é a do CAVALO DE TROIA, que de tão bem sucedida rendeu worms, trojans e outros tantos virus da mesma laia. Após dez anos de cerco, Troia não dava sinal de cansaço e os gregos já estavam exauridos em recursos. Ulisses, grande general e, não por acaso, neto de Sisifo (considerado o mais astuto dos homens porque conseguira enganar a propria morte e por isto foi por toda a eternidade condenado a rolar uma grande pedra até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo) bolou o estratagema do cavalo e pos um fim aquele conflito, possibilitando desta forma o surgimento do Imperio Romano, com seus cesares, augustos e constantinos da vida.
Vamos dar um salto. Vamos até o século XVI, ao evento que é considerado o ato inaugural da escultura renascentista. Estamos em 1496, na cidade de Florença, Itália. O jovem Michelangelo, então com 21 anos, querendo ganhar um troco rapidinho e sentido que o mar estava pra peixe, afinal havia uma verdadeira febre entre os poderosos, cada um mais ansioso que o outro, em exibirem em seus jardins obras da antiguidade classica grega. Michelangelo, talentoso que era, não dormiu no ponto. Compôs em marmore uma peça que chamou de Cupido Adormecido. O danadinho envelheceu artificialmente a obra e a vendeu, como autentica, ao Cardeal de San Giorgio de Velabro. O cardeal, que de bobo não tinha nada, acabou descobrindo a fraude. Mas ao invés de punir o falsario encomendou-lhe mais duas peças. Michelangelo iniciou aí sua momunental e prodigiosa carreira tornando-se um dos grandes nomes do Renascimento (Escola do pensamento que acabou descobrindo o Brasil e criando o nosso famoso jeitinho expresso na imorredoura Lei Aurea de Gerson).
Pulemos mais um pouco. Vamos a Paris. Ano 1925. Victor Lustig era um jovem checo, galante, fluente em varias linguas que gostava de aplicar o golpe da maquina de fazer dinheiro. Um dia, ele ficou sabendo que a Prefeitura de Paris estava tendo problemas em manter o custo de manutençao da Torre Eiffel. O peralta não pensou duas vezes. Alugou um apartamento num luxuoso hotel e mandou cinco cartas convites a cinco grandes comerciantes de sucata da cidade convocando-os a participarem de um leilao. No dia e hora marcados, os cinco gordos senhores foram muito bem recebidos e apresentados ao “Vice-Diretor-Geral do Ministerio dos Correios e Telegrafos”. Todos deixaram na mesinha de centro os envelopes com as respectivas propostas. Alguns dias depois, um deles, o que tinha feito a menor proposta, foi convidado a comparecer ao mesmo hotel. Diante de uma certa desconfiança do comerciante, Victor, para tornar ainda mais autentica a negociata, falou que o Prefeito queria uma comissao para assinar imediatamente a transferencia. Isto fez o senhor Poisson acreditar piamente no negocio e entregar-lhe cerca de cem mil francos pela Torre e mais “um por fora” para o Prefeito. Victor fugiu para os Estados Unidos e lá aplicou uma lábia em ninguem menos que o senhor Al Capone. Pois é! Consta que convenceu o Al a investir cinquenta mil dolares num banco. Após ficar com o dinheiro guardado num cofre por tres meses, voltou para o mafioso e disse que o banco havia falido e que porisso estava devolvendo-lhe o dinheiro. Dizem que Al Capone o presentou com cinco mil dolares pela HONESTIDADE. Justamente a quantia que Victor pretendia inicialmente extorquir do capo de tutti capo. Bons tempos aqueles, em que a honestidade podia ser reconhecida e recompensada ate por bandidos.
Essa parece inofensiva mas mostra muito bem como funciona a industria cultural. Nos final dos anos 80, em plena febre da dance music, surgiu no mercado fonografico uma dupla chamada Milli e Vanilli. A dupla emplacou varios sucessos, dentre eles Girl, I'm gonna Miss You, que para a alegria do seu produtor, vendeu nada mais nada menos que nove milhões de cópias. Daí ao Grammy foi um salto. Mas o inesperado quebrou as pernas dos meninos. Numa festa da MTV o gravador mastigou a fita e a farsa foi descoberta – a dupla de cantores não cantava nada! Dublavam apenas, mal e porcamente. Cobertos pela vergonha tiveram que devolver o Grammy. Diz a minha sogra que eles fizeram operação para troca de sexo e vieram morar no Brasil onde acabaram repetindo o sucesso na pele da dupla Pepe e Nenem. Minha sogra gosta de botar uma lenha na fogueira das vaidades dos outros.
A penultima historia aconteceu bem inda agorinha, ali, na celebrada Wall Street. Meca dos bravos, pátria dos homens livres, trincheira de ardorosos defensores da livre iniciativa e sacerdotes do deus mercado. Bernard Madoff estava entre eles. Bernard Madoff é um deles. Bernard Madoff é hoje considerado a maior fraudador de todos os tempos. Conseguiu arrancar do publico nada mais que cinquenta bilhões de dolares apenas dando credibilidade a nossa velha conhecida “piramide”. Este sistema foi inventada pelo italiano Carlo Ponzi, em 1919, e hoje conta com diversas modalidades: desde a corrente de cartas até o Marketing Multi Nivel, que todos nós conhemos pela Internet, onde são oferecidas formas miraculosas de ganhar dinheiro sem sair de casa ou sem fazer esforço, conforme preferirem. O sistema de investimento atraves de piramides já levou varios paises à ruina, desde a Albania no final do seculo passado, até a sempre diurna Islandia mais recentemente. E o pior é que as pessoas continuam acreditando nestas maneiras de enriquecer rapidamente. E é justamente isto que os vigaristas contam a seu favor: a esperança e a ganancia dos incautos. Madoff, 71 anos, que já deve ter se fantasiado muitas vezes de Papai Noel para animar os sonhos dos seus netinhos, declarou-se culpado de onze das acusaçoes de fraude e foi condenado a 150 anos de prisao. Ah, Carlo Ponzi morreu na miseria no Rio de Janeiro em 1949.
A última historia é de arrepiar os cabelos do sovaco. A venda das indulgencias! A indulgencia, como voces devem saber, é um artificio usado pelos padres catolicos em beneficio dos pecadores, a partir da maxima: é perdoando que se é perdoado. Deve ter sido são Francisco de Assis quem disse isto. Não importa. O que importa é que isto acabou virando um negocio da china para a Igreja Catolica, tao necessitada de recursos para edificar o reino do Cristo sobre a face da Terra e construir palacios dignos dos seus cardeais e papas. Giovanni di Lorenzo de Medici, este principe do renascimento, eleito Papa Leao X, elevou aquela prática ao seu nivel mais deplorável com isto cimentando o caminho para o surgimento do protestantismo de Lutero e a Ética do Capitalismo. E tudo dentro do mais estrito e legitimo direito (?). Vamos dar uma passada em algumas das circunstancias em que a Igreja podia livrar a cara de um pecador e sair com algum: “Se um eclesiástico incorrer em pecado carnal, seja com freiras, primas, sobrinhas, afilhadas ou, enfim, com outra mulher qualquer, será absolvido mediante o pagamento de 67 libras e 12 soldos; se um eclesiástico, além do pecado de fornicação, pedir para ser absolvido do pecado contra a natureza ou bestialidade, deverá pagar 219 libras e 15 soldos, mas tiver cometido pecado contra a natureza com crianças ou animais, e não com uma mulher, pagará apenas 131 libras e 15 soldos; o sacerdote que deflorar uma virgem pagará 2 libras e 8 soldos; a religiosa que quiser ser abadessa após ter se entregado a um ou mais homens simultaneamente ou sucessivamente, dentro ou fora do convento, pagará 131 libras e 15 soldos; os sacerdotes que quiserem viver em concubinato com seus parentes pagarão 76 libras e 1 soldo; para cada pecado de luxúria cometido por um leigo, a absolvição custará 27 libras e 1 soldo; a mulher adúltera que pedir a absolvição para se ver livre de qualquer processo e ser dispensada para continuar com a relação ilícita pagará ao Papa 87 libras e e 3 soldos; em um caso análogo, o marido pagará o mesmo montante; se tiverem cometido incesto com o próprio filho, acrescentar-se-ão 6 libras pela consciência; a absolvição e a certeza de não ser perseguido por crime de roubo, furto ou incêndio custarão ao culpado 131 libras e 7 soldos; a absolvição de homicídio simples cometido contra a pessoa de um leigo custará 15 libras, 4 soldos e 3 denários; se o assassino tiver matado dois ou mais homens em um único dia, pagará como se tivesse assassinado um só”. E vai por ai a fora com mais outras trinta e cinco formas de engordar os cofres do Papado, conforme está descrito em o LIVRO NEGRO DO CRISTIANISMO, do trio Jacopo Fo, Sergio Tomat e Laura Malucelli. Agora pensem nas catedrais, nas inumeras igrejas, capelas e outras obras de arte que hoje são patrimonio da humanidade, aclamadas e visitadas todos os anos por milhoes de turistas, e se quiserem saber de onde veio tanta inspiraçao, tanta beleza, tem nisto um bom começo de resposta.

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