sábado, 8 de outubro de 2022

se eles não vacilam…

 

Toilet Paper Panic, Ayshia Taskin, 2020



se eles não vacilam em te matar

e salgam a terra

para que tua semente jamais prospere…


se eles não vacilam em te açoitar

e te fazem desistir da própria vontade

para que beijes o chicote que te lacera a carne…


se eles não vacilam em te execrar

te humilham em público para que tenhas de gritar

que teu decretado dono é gente de bem…


se eles não vacilam em te pisotear

e apregoam que nasceste preguiçoso, inútil

imprestável para conviver em sociedade…


se eles não vacilam em te desumanizar

e dizem de ti que sois bruto, débil de pensar

e te fazem seguir tangido por capitães do mato…


se eles não vacilam em remunerar palavrosos

para te ameaçarem com as chamas do inferno

como se não vivêssemos nas trevas desde sempre…


se eles não vacilam em te transformar em coisa,

e te usam para limparem os pés podres

da sujeira e doença que fazem deles o que são…


se eles não vacilam, por que tu ainda refugas

renegas o chão em que estás plantado

e escolhes servir de mão para o verdugo?


 

sábado, 1 de outubro de 2022

ouvindo uma tese de mestrado

 

Rascunho, Yiannis Tsarouchis, 1953


estou agora

onde não sou

o que fui

e ainda não atingi

o que serei…


estou presente

entre uma coisa e outra

no meio gesto

no meio do gesto

narciso em feedback


meu experimento

é a escolha de seguir

modificar

ou interromper

esse fluxo… em processo


 

sábado, 24 de setembro de 2022

apenas um poeta

 

The Poor Poet, Carl Spitzweg, 1837




não me peçam nada

além de palavras:

– sou apenas um poeta


ai, quem me dera

chegasse a maiakovski

chico, neruda ou drummond…


mas me fiz assim, ordinário

– a comungar com a própria solidão


por favor,

não me peçam nada

mal consigo me entender

com a rotina,

quanto mais…!


cotidiano, imploro:

ai, quem me dera

não desejar mais nada,

finalmente

acertar as contas

com minh’alma sucinta