sábado, 23 de agosto de 2025

vingança

 

Filho Pródigo, Gustavo Doré, Séc XIX



o pai traz o filho

abandonado

em seus braços


enfrentaram monstros

pai e filho, sem concluir

que o combate é prova de vida


traz hoje, o pai

em seus braços,

o filho ferido, raivoso

garras exibidas,

herdadas


o filho quer sumir o pai

mas assalta-lhe

alguma compaixão

não pelo pai, mas por si


o filho se salva

ao revelar humanidade

e salva o pai

que vê consumada

sua vingança




sábado, 16 de agosto de 2025

as mil máscaras do doutor nein

 


Imagem criada no Google Gemini


outro dia topei

com um sujeito vestido de cadáver

a brandir um ensebado livro

e cuspir uma singela revelação


antes que conseguisse me desvencilhar

vociferou a sufocar meu pulso:

branco é a única cor

e tu és um demônio, pobre

a patinar no sangue seco das calçadas,

culpado da tua própria exclusão – escuta!


O dedo em sentença,

escolheu uma página aleatória

no livro escudo

e agrediu meus sentidos

com uma receita da prosperidade:

imite o patrão –

esse sol que arde mas não queima!


renegue o perseguido, desafiou:

o mal que te habita em negação

tu, anticidadão do bem,

prisioneiro de meia dúzia de baderneiros,

em terra arrasada vivente,

tu, índio, preguiçoso, preto

nordestino, baiano, paraíba

analfabeto, cachaceiro,

bucho de cuscuz, bucha de canhão… lembrai!

foste abençoado pelo dono da liberdade,

o divino criador de tudo e todos,

sabedor de toda agulha no palheiro

conhecedor de toda desilusão… ele

tem um módico plano para ti:

todos os privilégios do mundo

além da salvação eterna

se obedeceres… oh, glória, aleluia…

amém?


ameacei chamar a polícia

ele riu

e apontou para a câmera

pendurada no peito

e para o distintivo dourado

estufado na lapela do seu surrado uniforme...



 

 

sábado, 9 de agosto de 2025

geografia da memória

 

Mapa, Gretchen Andrew, 2021



a cidade era o mapa

que coube

na cabeça do menino…


avenidas, praças

ruas, vielas, becos,

ermos e fronteiras

o menino desenhou…


com retas e curvas

construiu o universo

dos 10 anos que fazia

e o menino riu…


mas ao ver a cidade

triste

vazia

pesou-lhe

os afetos que sentia…


num gesto de rebeldia

virou o mapa

de ponta cabeça…


imediato

o traçado da cidade

em seus contornos

assumiu

todos os rostos

que o menino conhecia