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sábado, 11 de outubro de 2025

crônica de um tempo perdido

 

Léon Bazille Perrault, O combate das crianças, 1889



3 coisas que não consigo provar:

inexistência de deus

imortalidade da alma

vida após a morte


no entanto, meu vizinho consegue,

com o auxilio da força bruta,

enfiar pela minha goela abaixo

seus argumentos de fé


para evitar

que atinja o limite da cólera

e me machuque ainda mais

digo sim!

existe uma divindade absoluta

em um reino metafísico

acima das nuvens

que me ama


(e?)


se for um bom menino

quando morrer

irei passar a eternidade

a contemplar sua glória


(e?)


porém, se pisar na bola

queimarei para sempre

no fogo de um inferno

exclusivo, amém?


recolheu suas armas

fez sinal que estava de olho em mim

e foi almoçar em família,

ele e seu vaso biônico


mostrei-lhe o dedo

dei-lhe banana

apresentei-lhe meus culhões

e acabei por descobrir

que não existe reencarnação:


o velho Buda, liberto

acaba de sussurrar ao meu ouvido

que se não for aqui

será agora


corri para assistir,

no streaming mais próximo,

ao tiroteio no ok curral


 

sábado, 4 de outubro de 2025

metamorfose

 

Metamorfose, Manuel Rivera, 1959




há uma horda de indecentes

enlouquecidos e raivosos

tão ocos quanto o ódio,

(esse vazio existencial),

a detonar tudo

nessa loja de cristais

que habitamos

 

em outdoors garrafais exclamo:

gente, o inimigo sou eu

ó glória!

sou o abismo que me encara

na faixa de pedestre.


vê? crimes e castigos

coreografados

diante do espelho,

para além do recalque,

exibem Narciso, esse amante

violento a fazer do caos

o espetáculo da temporada


na margem oposta,

falo línguas e

garimpo moedas psicodélicas

deslembrado da senha


conserto: antes

que a borboleta assassina

ávida de escapar,

me assuma, dispo-me

enlouquecido

do imperioso desejo de ser



 

sábado, 27 de setembro de 2025

aqui entre nós

 

Divisão, Michelangelo Pistoletto, 1977


aqui entre nós

somos maniqueístas

educados para dividir o mundo:

nós e eles, luz e trevas

bem, mal, preto, branco…


moderação onde está?,

mundo sem meio termo,

que fim levou a nuance?


(saúde emocional

nem pensar

e o arco iris

- quem contesta? -

é tão lindo)


imerso na feiúra,

guerra de A contra o B

minha sede aumenta

a medida que bebo

e o resto do alfabeto

que se lenhe!


existe um universo

entre o céu a terra

do que supõe

o sim e o não


sim, havemos de atravessar,

entre miragens,

esse pântano de cobras e lagartos:

- existe um coletivo adiante.



 

sábado, 20 de setembro de 2025

a arte de tourear a besta

 

Imagem gerada no Google Gemini



as dores que me enxotam

me fazem conquistar

diariamente

o direito de viver

um último instante.


quem sabe o amanhã

me encontre esquecido…!


eis o plano:

assim que puder

instalarei satélites refletores

da luz solar

e eliminarei a noite...


… se existe

gente feliz nos cafundós,

devo tourear a besta todo dia.


 

sábado, 13 de setembro de 2025

a dor poética

 

O Idoso Triste, Vicent Van Gogh, 1890


sou Bukowski e

sou Drummond

defendo a mesma ideia

bêbado ou sóbrio:

a poesia é incurável

 

o poeta é uma dor

que luta para entender

aquilo que não cessa

e consome -

o fogo que arde

e por fim queima

 

o poeta

embora trave seu combate,

busque exorcizar sua dor -

em combustão se esgota:

A derrota é inevitável,

mas a batalha

é a razão

do ser

poético


 



sábado, 30 de agosto de 2025

combate a violência

 

As Sete Musas, Google Gemini



nossos antepassados,

para combater a violência

inventaram a arte

escultura

pintura

poesia

música

história

teatro

dança

sete musas a nos inspirar

no combate à crueldade


nos tempos modernos

para descarregar

a alma do absurdo

inventamos

o cinema e

o desenho animado


mas a discórdia

continua a nos dizer,

sem qualquer gentileza,

que a realidade

é dura e fria:

não há como vencer a força bruta!


me vem à lembrança partisans

maquis, vietcongs…


nada é tão imenso

que, de tão imenso,

um dia não venha ao chão


 

sábado, 23 de agosto de 2025

vingança

 

Filho Pródigo, Gustavo Doré, Séc XIX



o pai traz o filho

abandonado

em seus braços


enfrentaram monstros

pai e filho, sem concluir

que o combate é prova de vida


traz hoje, o pai

em seus braços,

o filho ferido, raivoso

garras exibidas,

herdadas


o filho quer sumir o pai

mas assalta-lhe

alguma compaixão

não pelo pai, mas por si


o filho se salva

ao revelar humanidade

e salva o pai

que vê consumada

sua vingança




sábado, 16 de agosto de 2025

as mil máscaras do doutor nein

 


Imagem criada no Google Gemini


outro dia topei

com um sujeito vestido de cadáver

a brandir um ensebado livro

e cuspir uma singela revelação


antes que conseguisse me desvencilhar

vociferou a sufocar meu pulso:

branco é a única cor

e tu és um demônio, pobre

a patinar no sangue seco das calçadas,

culpado da tua própria exclusão – escuta!


O dedo em sentença,

escolheu uma página aleatória

no livro escudo

e agrediu meus sentidos

com uma receita da prosperidade:

imite o patrão –

esse sol que arde mas não queima!


renegue o perseguido, desafiou:

o mal que te habita em negação

tu, anticidadão do bem,

prisioneiro de meia dúzia de baderneiros,

em terra arrasada vivente,

tu, índio, preguiçoso, preto

nordestino, baiano, paraíba

analfabeto, cachaceiro,

bucho de cuscuz, bucha de canhão… lembrai!

foste abençoado pelo dono da liberdade,

o divino criador de tudo e todos,

sabedor de toda agulha no palheiro

conhecedor de toda desilusão… ele

tem um módico plano para ti:

todos os privilégios do mundo

além da salvação eterna

se obedeceres… oh, glória, aleluia…

amém?


ameacei chamar a polícia

ele riu

e apontou para a câmera

pendurada no peito

e para o distintivo dourado

estufado na lapela do seu surrado uniforme...



 

 

sábado, 9 de agosto de 2025

geografia da memória

 

Mapa, Gretchen Andrew, 2021



a cidade era o mapa

que coube

na cabeça do menino…


avenidas, praças

ruas, vielas, becos,

ermos e fronteiras

o menino desenhou…


com retas e curvas

construiu o universo

dos 10 anos que fazia

e o menino riu…


mas ao ver a cidade

triste

vazia

pesou-lhe

os afetos que sentia…


num gesto de rebeldia

virou o mapa

de ponta cabeça…


imediato

o traçado da cidade

em seus contornos

assumiu

todos os rostos

que o menino conhecia


 

sábado, 12 de julho de 2025

ser humano

 

Homem vitruviano, Leonardo da Vinci, 1492


unidade orgânica sensível

traços característicos

limitada no tempo e no espaço


capaz de nomear-se

e nomear o mundo


origem comum

sucessão infinita de relações

singular na história


capaz de sonhar

de pensar sobre si

e nas coisas exteriores


produtor, reprodutor

capaz de evoluir

tocar o sublime

e ainda tatear

no abismo ancestral


toda honra

às crianças e aos loucos

e, principalmente,

aos que nada têm a perder

além da dignidade


 

sábado, 5 de julho de 2025

o sorriso e a dor

 

Imagem gerada pelo Gemini


sorriso nascido

no canto da boca,

incrustado -

quem lhe cuspiu

no rosto tal estigma?


será feliz, meu menino?

disse a mãe para quem sorrir

era espantar o mal

vai, filho, salva o mundo!


e a criança vida afora riu disso

com um desajeitado sorriso

e não lhe sumiu o riso

apesar de toda espera

 

sem ninguém perceber

doeu-lhe o riso

tornou-se banal

e a máscara amarga

tomada de audácia

gerou a risada fatal


 

sábado, 21 de junho de 2025

subjetividade

 

Tales from the Loop, Simon Stålenhag, 2014


até onde sei (e vejo)

pessoas gostam de flores

plásticas…

tum-tum – ocupado!


ah, sonhei em ser origami

emoji dobrado ou hashtag…

tum-tum – sinal perdido,

poesia não encontrada!


(carregando 54%)

diante do erro 404

dissimulo ou me espelho

num botão de like?


último comando

executar #autodestruição:

desapareço ou me cancelo?


tum-tum erro 418:

sem dispositivo pra ser exibido

subjetividade desinstalada com sucesso

 

este poema se autodestruirá em 5 segundos!


 

sábado, 14 de junho de 2025

filho bastardo de cowboy hollywoodiano

 

Imagem gerada pelo Google Gemini


descendente de bandeirantes

capitães do mato, milicos, jagunços

milicianos high-techs, políticos de bolso

(com um livro de phantasmagorias

debaixo do braço)

crentes pragmáticos na divindade,

na pátria e na liberdade de expressar

que todo dia é dia de branco

e na festa no ap

vai ter sofrência pop e petiscos

servidos em baixelas de prata

do que sobrou do lombo dos negros

índios, pobres e periféricos


traficantes da fé alheia, coaches e influencers,

a soldo de casas de apostas aliciam

nubentes veteranas movidas a botox

para acasalarem com bons meninos de chicago

e conceberem in vitro

mais uma receita para estufar o bolo


incensados por animadores de auditório

nas tardes entorpecidas de domingo

um terço da população, inflada de patriotismo,

bate continência à entidade que empreende

mais um inferno ultramoderno

importado do vale do cilício

criado sob medida para os outros


ai de mim,

ai de ti,

ai de nós!


 

sábado, 24 de maio de 2025

e se eu não lembrar

 

O grito, Edvard Munch, 1893



e se eu não lembrar...

 

a luz apagar

o alarme calar

o telefone esquecer

a porta trancar

a comida faltar

e tu apagar


a insônia bater

o sol desviver

e eu sucumbir

e estragar

lastimar

lacrimejar

e tu nem aí


e se eu gritar

e tu desistir


e eu jogar

pra fora daí


e o meu eco

derreter o ar


e nem o vazio

me reconhecer?



sábado, 17 de maio de 2025

experimento

 


Alice in Wonderland, René Magritte, 1945



desdobro -

jamais inteiro

sempre fração


qualquer lado

me opõe

a mim mesmo


viajo

na perspectiva de alcançar

a face do meu disfarce


sou uma alma

mutante

idosa e estranha


 

sábado, 3 de maio de 2025

pensamentos de última hora

 

Não deve ser reproduzido, René Magritte, 1937


imaginar deus é a nossa fortuna eterna,

mas dar-lhe existência

torna miserável a nossa.


só existe sentido na incompletude

na carência, na ausência

na saudade do mundo…


sou tudo aquilo que me falta

ainda mais

aquilo que jamais alcançarei…


transitório,

quanto mais me encontro

mais me perco…

 

me escondo no reflexo

da minha própria natureza


 

sábado, 19 de abril de 2025

saga de um gozo

 

Caritas Romana, George Pencz, 1538



Noemi

mesmo sem tempo,

(tinha que chegar na hora no trabalho)

todo dia, esbaforida

dava uma geral na casa

pensando numa possível noitada

com aquele colega de departamento

aquele tal do peitoral sexy

e promessa gostosa

de um prazer para além de todo sexo…

mas o que ela não pensava

é que não adianta

deixar a casa um brinco

se o mundo continua lixo


Noemi

de quantos e tais detalhes

cansada, acenava ao coletivo

e lá ia, encoxada, bolinada,

indiferente a tudo (menos ao nojo

e ao colega de departamento

a lhe atazanar os sentidos…)


no dia que encontrou coragem

o convidou para um café

mas ele a empurrou contra o portão

suspirou “ahhhh…”, a sufocar seu silêncio

num gozo alheio e

com a calça encharcada de gala,

se mandou pela rua afora

sem nem ao menos perguntar:

foi bom pra ti?”


Noemi

ao devolver um dos seios para dentro da blusa

ergueu os olhos para o céu estrelado

ao tempo em que sentiu os pés

sobre o indiferente asfalto,

sussurrou para o vazio,

como se estivesse diante de um espelho estilhaçado:

quem, diabos, inventou o sexo?