Mostrando postagens com marcador Poemas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Poemas. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de maio de 2023

despedida

 

A Despedida de Evangeline e Gabriel, John Faed, 1870


 

está contida

na ida

o retorno?

 

pede e fica

e chora

dentro e cá fora

a partida

 

o fardo no peito

incerto

é o destino

 

viver é despedir-se:

a dor de quem parte

é a mesma

de quem fica


 

sábado, 6 de maio de 2023

instante 59

 

Farewell, Remedios Varo, 1958


 

cidade ruidosa

a morada vazia ressoa

última jornada


 

sábado, 22 de abril de 2023

instante 54

 

The End of the Quest, Frank Dicksee, 1921


 

durante muito tempo

cuidei apenas de mim


houve um tempo

em que cuidei da minha mãe


hoje cuido da casa, atento

ao desperdício de tempo


preciso conquistar diariamente

o direito de viver um último instante


 

sábado, 15 de abril de 2023

instante 58

 

Fire Eye, Vajda Lajos, 1938


 

quando era criança

morria de medo da noite

 

com o olhar em chamas

vidrado nas fissuras das telhas

das casas velhas onde morei

(a ouvir o vento gelado da madrugada

assoviar a cortina que se fingia de porta)

pensava:

- um dia hei de criar refletores da luz solar

em volta da Terra

para eliminar a noite...

 

e daí, cresci...

o máximo que consegui

foi pesquisar sobre Ólafsfjörður

e não senti um pingo de saudade



sábado, 1 de abril de 2023

orgia

 

Table of lovers, Marc Chagall, 1983


 

ah, corpos tão lindos

graciosos

afinados

sumários e babilônicos...

carnes gozosas

amassadas pelo gozo

 

madrugada

de volúpia

instinto e desejo

 

ai daqueles que acordarão logo mais

e quebrantados

terão que se ver com a luz


 

sábado, 25 de março de 2023

cabeça e corpo

 

A Criação de Adão, Michelangelo, 1512



irmão,

se oras

se pregas

se exaltas

se exortas

se cantas jingles

se falas em línguas

se tua pauta é moral...

de que adianta

se não és que nem o cara,

o cara que dizes seguir,

aquele que te fez

(segundo as escrituras)

à própria imagem e semelhança?

 

melhor será amar as mulheres

as festas, os encontros

o convívio com os desiguais

oferecer a outra face

combater os hipócritas,

os mercadores do templo,

distinguir entre o que é de césar

e o que é purificado em espírito...

 

irmão,

estás a nos dever tua dúvida


 

sábado, 18 de março de 2023

no teu olhar

 

Olhar de Capitu, Gabriela Biló, sem data


 

teu olhar me abraça

e me conforta

com sussurros

aveludados

(amorosos segredos)

 

o teu olhar

me deságua

que nem fosse eu

cachoeira

rio rumo ao mar

    purificado... no

    teu olhar


 

sábado, 11 de março de 2023

um fundo sem poço

 

Secret revolt, Wojtek Siudmak, sem data




inegável: sou troncho

tenho até uma boa aparência

mas carrego aqui dentro

uma casa mal-assombrada


gosto, gosto, gosto…

mas tem hora

que o saco estoura

(às vezes por qualquer coisinha)

mando às favas o bom mocismo -

ofendo deus e todo mundo… machuco até

minha raiva e revolta são extensas e sem dono


mas, no limite

desabo e choro nos braços do remorso


já culpei minha mãe

a religião e… nada

o psiquiatra que consultei

se encolheu na cadeira… desisti

descobri que sou um fundo

sem poço



sábado, 4 de março de 2023

fiquei o que sou

 

Família de Árvore, Wangechi Mutu, 2012



sei de mim

gambiarra

eu vou


com jeitinho

deu-me gana de buscar

me afidalgar

embranquecer


mas a minha genealogia

não chama atenção

dos bardos

por ser vulgar


fiquei o que sou

agarrado à margem

normal


que deus jamais

torre o meu saco


 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

odisseia II

 

La Rivoluzione siamo noi, Maurizio Cattelan, 2000


 –  que dia lindo!

o relógio do juízo final

marca 00:01:30

para o fim do mundo

vou à luta!

ônibus lotado

salário de merda

desastres naturais

burocracia

assaltos

golpes na internet

sacanagens

pornografia

e eu nadica de nada

enquanto pastores… contudo

ó deus, repartido em postas,

qual a lógica dos juros nas alturas?


de volta ao meu aconchego 

morrer, dormir e talvez sonhar...



 

sábado, 4 de fevereiro de 2023

lindeza

 

Três Músicos, Tony Lima, 2020




gente,

vivi pra ver e ouvir

Armandinho, Yamandu, Borghetti  

e a Sinfônica Jazz

na Sala São Paulo

(numa transmissão televisiva):

um deslumbrante desbunde

eita Brasil

poderes continuares lindo, tão?!




sábado, 28 de janeiro de 2023

a tragédia de um ninguém

 

I Can See the Whole Room and There's Nobody in It, Roy Richtenstein, 1961


incapaz de derramar uma lágrima

riu da agonia,

da dor,

tripudiou da miséria

e, alheio, sentiu-se ungido:

crente que teria sobrevida

além e acima do caos


ignorante da própria pequenez,

investiu contra tudo e todos

distraído da condição humana:

imperfeita, fraca, frágil… falível


eis que a munição acaba

e as mãos, unhas e dentes das vítimas

inscrevem na História

o patético fim de um arrogante


e esta pena assinala,

diante da eternidade,

a tragédia desse ninguém

condenado a viver atormentado

por seus delírios de grandeza


 

sábado, 21 de janeiro de 2023

tia hercília faleceu

 

Death, Jacek Malczewski, 1917




um pensamento sem fim,

inda’gora

galopou a minha mente…


um medo atávico -

me gelou

num sobressalto


a ceifadora veio

e célere lá se foi

inspecionar

a orgia ancestral

do seu espólio


satisfeita

riu com seus agentes

a fartura do seu intento


eu, ainda vivo,

me confundo

com o rebanho:

me falta maturidade

para olhar nos inexistentes

e inevitáveis olhos da Morte


 

sábado, 14 de janeiro de 2023

instante 56

 

The Death, Alaa Awar, 2013




ao descobrir

que a condição da Existência

é um encontro

marcado com a Morte,

percebi que devo

deixar uma boa impressão

no Tempo


 

sábado, 7 de janeiro de 2023

instante 50

 

Eternal Illusion, Wojtek Siudmak, sem data




... nunca mais

é muito tempo


deve existir

um espaço

entre o sempre

e o agora

onde seja possível

te reencontrar


 

sábado, 31 de dezembro de 2022

Longitudes

 

Charles I in three positions, Anthony Van Dick, 1636




A História Ocidental

É a história

De um conflito interminável

Entre três irmãos

Pela posse da Terra

(Que por ser de todos

Nunca foi e jamais será

De nenhum em particular)


Alexandre encontrou o Oriente

Marco Polo também

Os Portugueses, os Ingleses, todos

(Inclusive os Beatles)

Encontraram o Oriente

Depois do próprio ter encontrado a si

E do alto da montanha amuralhada

Permitir que todos os turistas vazem

E levem pra bem longe sua infeliz doença…


A história ocidental

É a história de um trauma não resolvido

(E muito mal tratado – individual e coletivamente),

Sobre a qual o Oriente caga, anda

E com toda a compaixão do mundo,

Se esbalda de rir


Mas alimentemos o jardim, construído nas nuvens

E quem sabe, finalmente Deus acorde,

Incomodado pelo perfume das flores

E o zumbido das abelhas

E finalmente sejamos todos contagiados

Por uma ideia verdadeira e substancial

Bem mais simples e real… mesmo que o Oriente

Continue a rir de nós, do nosso jeito adolescente



sábado, 24 de dezembro de 2022

valeu, adeus

 

The Distance Between the Landscape and Dusk, Kansuke Yamamoto, 1956


sim, quero a última brisa, o último orvalho

o derradeiro canto do bem-te-vi

e o vôo rasante do rasga-mortalha…


sim, deste mundo quero a última mirada,

o último ruído e o definitivo arrepio…


(eis que, no limite, percebo

que amar é descausar desconforto

e, pacífico, recuar com um beijo)


sim, seguirei ao último instante

em busca da palavra

que legue à posteridade meu último suspiro…


(mas eis, quem sabe aconteça

ficar num hiato mudo, entre a vigília e o sono

na misteriosa passagem

onde o inverno entrega à primavera

o magnífico comando das coisas e dos nomes…)


e acaso ocorra me faltar o fôlego

para encerrar esse último e simplório ato

mesmo desbotado

ensaiarei um sorriso largo

e talvez, alcance apenas dizer: valeu

adeus!


 

sábado, 10 de dezembro de 2022

gaia tá nem aí

 

Espacio Y Naturaleza, Jiménez Deredia, sem data


os objetos e as coisas na minha casa

(incluso paredes, piso e teto)

me são absolutamente indiferentes,

nenhum deles têm consciência

da minha presença… para eles

tanto faz como tanto fez

minha existência… tão nem aí!


se, vez ou outra, não cuidar deles

limpá-los, conservá-los, preservá-los

trocá-los, reciclá-los… em pouco tempo

acordarei num ambiente hostil,

sujeito ao nada.


a natureza tá nem aí pra mim

embora carregue por ela,

um piano sobre as costas…


contigo mantenho, ó gaia querida,

um desequilibrado caso de amor:

dependo te amar apenas,

sem jamais esperar ser amado.


 

sábado, 3 de dezembro de 2022

estática

 

Google Imagens




no silêncio solitário do apê

apenas meu coração atribula

e barulha mais que o martelete

na construção ao lado


ah, a falta que me faz

uma palavra

um cheiro

aquele abraço…


dificil me acostumar

ao ruído

que ficou no teu lugar


 

sábado, 26 de novembro de 2022

disco arranhado na vitrola

 

Ruido Seco, Paula Klein, 2017



por natureza, toda manhã

nos presenteia com um quê de alegria

 

porém, toda tarde é triste

 

por isso, meu amigo

a noite é sempre uma esperança

 

e a madrugada?

a madrugada  não passa

de um disco arranhado na vitrola…