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sábado, 13 de abril de 2024

mágica

 

Magic Mountain, Albrecht Behmel, 2016



a cada notificação abro

ansioso a tela do celular será


é a mesma expectativa

ao conferir bilhete de loteria


transcendental seria informar

a hora da minha morte


e se o meu amor soubesse

a verdade dos arcanos – viria?


porém não há mágica

que supere as vendas

 

no próximo toque quiçá

quem sabe não é… agora?!


 

sábado, 16 de março de 2024

o jogo

 

Os Jogadores de Cartas, Paul Cézanne, 1896


na primeira: instinto

na segunda: análise

na terceira: escolhas

 

aprendo que,

se não ganho de prima

a consciência se vê impelida

a abrir o rol das possibilidades


o problema é que talvez

adiante

seremos lembrados de que

a cada passo

as ações se desvalorizam e

o prêmio passa a valer cada vez menos

nos transformando em devedores de tempo

e ganhadores de nada


 

sexta-feira, 8 de março de 2024

em dia de mulher

 

A Mulher, o Homem e a Serpente, Byam Shaw, 1914


esse negócio de dizer

que mulher é uma incógnita

é papo de quem não sabe

ou não quer

agradá-la…


o orgasmo feminino

tem sido lugar de fala das lésbicas

(alegam saber fazer uma mulher “chorar”

no mínimo, umas dez vezes

numa única vez)… mas


existem homens capazes

de entendê-las e amá-las

senão o Kama Sutra

será uma obra de perversão

e não um tratado de sabedoria


a mulher nunca foi mistério

prá seu ninguém

sempre esteve aí, à flor da pele

de quem articular

um singelo

descansa tua cabecinha no meu ombro e chora”

diante da dúvida, do medo

da incerteza, da desconfiança, das cólicas…


senta pra ouvir o diário sangramento

mesmo quando não sangra, porque

a mulher sangra, caríssimo!

e quando não sangra está servindo de morada...

 

e não me venham dizer

que a mulher não tem o direito de expulsar

o indesejável ou a raiz de uma invasão agressiva…


daí quando a mulher

maternalmente

nos aplica uma rasteira

um safanão

um pescoção

uma palmada pela malcriação

choremos sem vergonha

na volta por cima

porque sem a mulher

nós, machos, cabras de peia

faríamos parte

do planetário bando de bobões,

coletivo de ninguéns

zé-manés atoa, babões sem eira nem beira

a implorar por aquele cheirinho gostoso

que nos atiça o desejo de vestir suas calcinhas


 

sábado, 10 de fevereiro de 2024

tese

 

Foto Iván Tejero, 2014


(vinho bom

é vinho velho

que não avinagrou)


duvido

desse negócio de Buda manso na infância

muito menos Buda sereno na adolescência

ou sábio na maturidade… pra mim

Buda que é Buda

só é Buda de verdade -

manso, sereno e sábio,

depois de ter vivido

no mínimo

uns 80 aninhos… e olhe lá

80 é um bom tempo

para que o remorso

e o arrependimento

comecem a fazer o trabalho

de amaciar a carne


 

sábado, 3 de fevereiro de 2024

família

 

A Família Sagrada, Francisco Bayeu, 1776



toda família é sagrada


toda família tem um psicopata… fascista

toda família tem um miliciano… pedófilo

toda família tem um parasita… drogado

toda família tem um moralista… tarado

toda família tem um fanático… corrupto

toda família tem um político… escroto

toda família tem um liberal… racista

toda família tem um filho da mãe… misógino

toda família tem um religioso… satânico

toda família tem um 'sabe tudo'… covarde

toda família tem um idiota… bombado

toda família tem um mafioso… cristão


toda família é imperfeita



 

sábado, 13 de janeiro de 2024

estado de alma

 

Small Island, Dieter Roth, 1968



quando os arranha céus

os guindastes

as naves espaciais e os vírus

me sitiaram

não vi saída senão encolher

e encolhi…


no estado quântico que habito

perseguido por leis surreais

e estranhezas corriqueiras…

enxergo vantagem

nessa troca de verso:

em sendo tudo líquido

é normal viver embriagado 


 

 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

a história do bem viver

 

O Mazzini Moribundo, Silvestro Lega, 1873



foi uma vez

pras bandas do oriente

era uma tribo de criadores de cabras

cujo pai de todos adoeceu…


sem esposa que lhe cuidasse

(se esquecera de casar outra vez)

à espera da hora final,

desaparecia sobre o leito


na sombra do meio dia fatal

os descendentes, reunidos em torno dele,

ansiosos para ouvir quem tomaria seu lugar

(cada um a querer pra si a honra

de comandar os destinos do clã)

e herdar uma montanha de bens

passíveis de serem trocados por prazeres


antes do último suspiro, o ancião

lembrou moribundo

que ao comunicar sua condição

a todos os filhos e filhas

recebeu a mesma resposta: se cuide!

mas apenas um devolveu:

posso ajudar em alguma coisa?


chamou pra si a mão daquele filho

a abraçou sobre o peito,

e antes que sumisse para sempre,

deu-lhe o anel da família

sussurrando o segredo

da história do bem viver e cuidar.


 

sábado, 16 de dezembro de 2023

reflection under virus

 

Vírus, Isabelle Pop, 2020




eu, poeira de estrelas

continuo local…


meu vizinho fala tanto

que desperta a solidão do cosmo.


e meus amigos, com razão,

preferem amenidades culturais

(nada que comprometa

a despedida após o porre)

- um abraço, tchau e pronto!


minha memória perdeu o tesão nas sinapses

e me preocupa ter esquecido do futuro...


porque ando a apreciar ratos

que invadem o quintal,

multiplicados tantos…


pesquiso um raticídio e estremeço:

meu medo não é fácil de exterminar.


o que será dos gatos,

dos manguitos que despencam,

da árvore moribunda que cresce ao lado

e acumula uma montanha de folhas mortas?


preciso de uma estratégia

para o descarte do lixo

e que me deixe fora dessa equação.



sábado, 9 de dezembro de 2023

Deus não tem sentimento

 

Paulo Laurindo, 
Colagem sobre detalhe de A Criação de Adão (de Michelangelo), 2023



um amigo me mandou um clipe

da ária Erbarme dich, mein gott

cuja letra é bem curta:

"Tende piedade, meu Deus

Por causa das minhas lágrimas!

Vede aqui, coração e olhos

Choram amargamente diante de Ti

Tende piedade, meu Deus"


o poema é mínimo, apenas cinco versos

mas a melodia atinge os confins do Universo…


se Deus fica indiferente

e mudo

diante do engenho e da beleza humana

que Johann Sebastian Bach

(o cravista da Thomaskirche -

igreja luterana de Saint Thomas, em Leipzig)

usou para criar o oratório

A Paixão segundo Mateus

onde O reverencia e exalta,

não temos porque reclamar do Seu silêncio

diante das milhares de vítimas

do ódio

perpetrado pelos defensores da pátria,

da família, da religião e da propriedade


Tal qual a Natureza

Deus não tem sentimento


 

sábado, 2 de dezembro de 2023

ao redor da beira

 

Cat Catching a Mouse, Ohara Koson, 1930


os ratos logo apareceram

primeiro um

logo, três, quatro

a passearem pelo quintal

e até no jardim

quais comensais

enormes

assustadores


ignorante da teoria dos jogos

pesquisei venenos, modos de aniquilação

mas o I Ching recomendou:

a Natureza há de seguir o seu curso

quietude… a montanha não ruge,

e nem te leva em consideração


eis que surge um cão

e onde tem cão tem gato


os passeios desafiadores

das ratazanas disputando território

escalando paredes

se tornaram escassos

até que numa noite

ouvi ruídos estranhos

a perturbar o sono

ferozes

muito ferozes


no dia seguinte

nenhum roedor desfilou

em meios aos manguitos

no lago de folhas caídas, acumuladas

no quintal


hoje, no entanto, minha alegria nublou

esteve a nadar divertindo-se

no mar das folhas outonais

que caem da mangueira vizinha

o peralta roedor

a me solicitar descarte, dele e das folhas


nas folhas, criei coragem e dei um jeito

quanto ao amiguinho… bem,

não temerei os instantes futuros

e hei de dormir tranquilo

apesar dos ruídos

e presenças esquisitas ao meu derredor


 

sábado, 21 de outubro de 2023

embalo do mar

 

Aquarela, Kazuo Nakamura, 1953



a vida é boa

panquecas de carne

no forno

me esperam

(as duas marias

e suas quentinhas

salvam o dia)


entre um gole e outro

navego ardente

o sol na cabeça

prosa e poesia

nas ondas do mar…


e a perspectiva de ver meu amor


quietinha segunda-feira

boa é a vida

gostosa e bela

nos embalos do mar



sábado, 14 de outubro de 2023

Quadrinhas

 

Squares with Concentric Circles, Wassily Kandinsky, 1913



I

Pai e mãe não se muda

Tios e primos não decidi

Nesta vida, deus nos acuda!,

Amigos são parentes que escolhi


II

Desvendará minh’alma um dia

Teu mistério, essa lindeza

No cantar desta voz vadia

Acontecerá mais beleza


III

Impossível falar de religião

Com quem é feliz na desdita

O milagre desvê em negação

Fantasia é pra quem acredita


IV

Para além da forma aparente

Na semelhança somos uno

Partilhamos da mesma mente

Que adora avacalhar o mundo


 

sábado, 7 de outubro de 2023

pode ser?

 

Acima da Cidade, Marc Chagall, 1918



hoje, a cidade amanheceu calma:

maré baixa, piscinas cristalinas

peixinhos, pedras e ouriços…

não ouvi sirenes

a anunciarem desconfortos e desgraças


aproveitei pra sonhar

o que mais quero neste intervalo:

te amar diante da janela

ao som inexorável do martelete buf buf

no concreto da casa ao lado

a pontuar o tesão e as batidas

dos nossos doloridos corações


vem, amor

que não há quem nos proteja

de tamanho caos


morramos soterrados pelo engenho

dos fabrishomens barulhentos

e ressuscitemos no silêncio inventado,

momentâneo

de nossas almas saciadas

alheios à cidade,

ao desejo e aos aplausos


vem amor,

que este tantinho de generosidade

faz a desdita nos esquecer…


vem, que deslembro das queixas

dos remorsos, segredos, mimos, dengos

calundus, manhas e caprichos -

trejeitos que herdei do meu pai

(fraco, topado de orgulho)

sempre pronto a revidar… vem, amor

amanhã pode não ser


 

sábado, 30 de setembro de 2023

ah, o amor

 

Amor e Psiquê, Henryk Siemiradzki, 1894



ah, o amor

cantado, sonhado, adorado

por nós, comuns


(amor é redenção

cremos em sua religião)


foi uma vez, poeta

que o amor me conheceu

viciado ardeu e se queimou

gastou consumido

seus sentimentos

na busca da porção, última dose

e sumiu na chama breve

da sombra fria

que lhe aquece o mistério

de não aceitar objeção


ai amor,

choro pelos tolos

que passam os seus dias

a fazer amor, jamais amando


 

sábado, 23 de setembro de 2023

bonito é nascer

 

Sol Nascente, Anton Prinner, 1944



luzes na cidade

transição: meia-noite

dois mundos em fricção


mortiços olhos buscam

o horizonte desde cá

coroado de ausências


pular a janela

correr rua afora

incomodar o silêncio…


distante o grito

tudo é vazio

tudo é lugar…


daí o retorno

cicatriz adoçada

eterna no punho


começar de novo

livre é a dor

e a graça do poema


meia-noite:

cidade acesa

tão bonito nascer


 

sábado, 16 de setembro de 2023

sempre indo

 

Onde Ir, Alberto Sughi, 1992



todos foram embora
restaram os fantasmas…
e eu
tenho dispensado companhia 

falta vontade
de olhar as frestas,
as réstias
as sombras e os contrastes 

nunca fiz piada de mim mesmo
levo a sério decifrar poemas,
eu, esse rascunho 

todos foram embora… 

o protocolar “como vai”
me desgosta
como?
se sempre vou indo


 


 

sábado, 9 de setembro de 2023

gula

 

 


Êxtase, Lajos Gulácsy, 1908



deus meu, acorde os orixás:
que vejam o corpo lindo do meu amor
e sintam seu cheiro doce
tal qual doce de batata doce
e abençoem
o corpo do meu amor
essa mesa farta, epifânica
ora, romeu e julieta
ora, queijo de coalho com carne de sol
cuscuz com ovos mexidos
sarapatel, baião de dois,
fritada de siri, galinha de cabidela,
café com leite e mel
acarajé, abará, caruru, vatapá e caldo verde
mousse de maracujá, suco de graviola, cajá
laranja, manga, caju e jambo
licor de jenipapo, capuccino com amarula
e muita música brega após às 10 da noite...
e abençoem também o sono das crianças
para que nós, em ritual
morramos e ressuscitemos
antes que a fome
mais um dia
nos acorde


 

sábado, 2 de setembro de 2023

a pedra de tropeço


 

Objeto, Branca Escobar e Liliam Mendes, 2016




meu personagem poético
(tão distraído quanto eu)
andava feliz
até encontrar a pedra... e o reclame

no meio do caminho,
em busca de atualizar minhas dores,
tropeço agora num outdoor:
mertiolate ardia, hoje cura