Mostrando postagens com marcador Dor. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Dor. Mostrar todas as postagens

sábado, 26 de abril de 2025

Dimensões

 

Old Man in Sorrow, Vicent van Gogh, 1890


Naquela noite, o velho senhor deitou-se mais cedo. Logo acercou-se uma voz íntima que chorava.

O velho quis interrogá-la, saber sua história mas, a voz não dizia, não falava… Só chorava. “O que esconde este choro”, pensou.

E antes que entrasse no sono, sem que arredasse o corpo de cima da própria cama, andou e andou, atravessou oceanos, escalou montanhas, desceu através de vales e só então percebeu que era de seus lábios que nascia a voz que chorava. Fora, o vento ensaiava seu uivo – mas era o choro interior que o preocupava.

Decidido a dormir, o velho senhor, naquela noite conseguiu alcançar sono profundo, mas sem sonho ouviu a voz, ouviu o choro que vinha de si mesmo.

Rajadas de vento açoitavam a janela nervosa, obrigando-o a abrir os olhos e, sem mover um músculo, viu uma criança – pequena, frágil, envolta em lágrimas e luz – emergir da escuridão tempestuosa. Suas mãos calejadas, com candura, a apanharam tal qual a um pássaro ferido. Aconchegados um ao outro, gemeram e perceberam a dor de existir. A dor é o próprio existir. Porém seus olhos de criança não mais choravam mas despertaram no quarto um singelo acalanto acompanhado pelo vento que zunia.

E o velho habitou a voz

E a voz habitava o mundo

E o velho era o mundo

E o mundo era dor

E o mundo era velho

E o velho viu

Que além da dor

do medo

da noite

da janela que estremecia

Entre o gemido e o vento

Havia-lhe nascido

Um poema de silêncio e asas

O velho enfim sorriu

e dormiu tal qual

quem nunca chorara antes.



sábado, 11 de janeiro de 2025

Uma história, três narrativas

Velho Triste no Portão da Eternidade, Vicent Van Gogh, 1890


1.

E naquela noite, o velho senhor deitou-se mais cedo.

E logo acercou-se uma voz íntima que chorava.

O velho quis interrogá-la, saber sua história mas, a voz não dizia, não falava… Só chorava.

O velho sentiu que deveria descobrir o que aquele choro escondia.

Acostumado, andou e andou… Atravessou oceanos, escalou montanhas, desceu através de vales e, para seu espanto, jamais saiu de diante da sua própria cama… E só então pode perceber que era de seus lábios que nascia aquela voz que chorava.


2.

Decidido a dormir, o velho senhor, naquela noite tapou os ouvidos e conseguiu alcançar um sono profundo.

E naquela condição sem sonho ouviu a voz, ouviu o choro que vinha do fundo de si mesmo.

E sem que fizesse qualquer movimento viu uma criança que nascia.

Aparou-a com suas mãos, aconchegou-a em seus braços e percebeu que ambos gemiam e souberam ali, sem que ninguém lhes dissessem, que a dor é a condição de existir. A dor é o próprio existir. E, seus olhos de criança despertaram num alegre acalanto.


3.

E o velho habitou a voz

E a voz habitava o mundo

E o velho era o mundo

E o mundo era dor

E o mundo era velho

E viu que além da dor

Além do medo

Além da noite

Havia-lhe nascido

Um poema…

O velho enfim sorriu

Qual nunca chorara antes.


 

sábado, 7 de setembro de 2024

tristeza

 

Tristeza, Ema Mazánková, 2019


você é triste de que jeito?

escondido, na solidão das penas,

ou, rançoso, afogas mágoas

num copo, num prato, num coito?


qual o tamanho da tua tristeza:

te faz abraçar o mundo, compassivo

ou a autopiedade te amiúda em ais

e te leva à ira mas à poesia jamais?


o quanto permites te manipule,

te engane, a tristeza,

esse fado que acolhes?


se dor é fingir que é dor

a dor que deveras sentes…

que o teu amargor tal sina 

não ouse te fazer de besta


 

sábado, 12 de agosto de 2023

dor e cura

 

John Jacob Niles, Doris Ulmann, 1930


 

tantas vezes
tive que saltar fora
para alcançar o verso
que mantém a prosa

oh, as dores que enxotam...
dores que exilam -
as trago todas em mim

cicatrizai estes versos em mim 
oh dores, que me tardam
que sei tão pouco
dos gozos que me habitam


 

sábado, 12 de março de 2022

instante 47

 

Primavera, Francisco Barreira, 1638




coisinhas indispensáveis em qualquer paraíso:

sol, brisa, rede, poesia,

cerveja gelada, tira-gosto e…

boa companhia.


o resto é arenga do dia a dia