Old Man in Sorrow, Vicent van Gogh, 1890
Naquela
noite, o velho senhor deitou-se mais cedo. Logo acercou-se uma voz
íntima que chorava.
O
velho quis interrogá-la, saber sua história mas, a voz não dizia,
não falava… Só chorava. “O que esconde este choro”, pensou.
E
antes que entrasse no sono, sem que arredasse o corpo de cima da
própria cama, andou e andou, atravessou oceanos, escalou montanhas,
desceu através de vales e só então percebeu que era de seus lábios
que nascia a voz que chorava. Fora, o vento ensaiava seu uivo – mas
era o choro interior que o preocupava.
…
Decidido
a dormir, o velho senhor, naquela noite conseguiu alcançar sono
profundo, mas sem sonho ouviu a voz, ouviu o choro que vinha de si
mesmo.
Rajadas
de vento açoitavam a janela nervosa, obrigando-o a abrir os olhos e,
sem mover um músculo, viu uma criança – pequena, frágil, envolta
em lágrimas e luz – emergir da escuridão tempestuosa. Suas mãos
calejadas, com candura, a apanharam tal qual a um pássaro ferido.
Aconchegados um ao outro, gemeram e perceberam a dor de existir. A
dor é o próprio existir. Porém seus olhos de criança não mais
choravam mas despertaram no quarto um singelo acalanto acompanhado
pelo vento que zunia.
…
E
o velho habitou a voz
E
a voz habitava o mundo
E
o velho era o mundo
E
o mundo era dor
E
o mundo era velho
E
o velho viu
Que
além da dor
do
medo
da
noite
da
janela que estremecia
Entre
o gemido e o vento
Havia-lhe
nascido
Um
poema de silêncio e asas
O
velho enfim sorriu
e
dormiu tal qual
quem
nunca chorara antes.