sábado, 8 de junho de 2024

cinco sentidos

 

Allegory of the five senses, Theodoor Rombouts, 1632



o perfume que vem da casa ao lado

o alarido juvenil a afastar demônios

os latidos dos cães na madrugada

o ruido das ondas a descansar na praia

o gotejar da chuva na telha de flandres

a ventania que assusta os coqueiros

e a lembrança daquele amor que partiu


a sala úmida cheira a passado

e o frango com verduras que fiz ontem

me faz pensar em dormir e sonhar

até que a tarde vista o manto noturno

e acalente no colo o bebê chorão

que deseja crescer e ir pra rua aprender

a alegria quente e fria do são joão


os olhares ameaçadores dos homens, eis!

e a indiferença de suas mulheres,

maquiadas adolescentes esquecidas

de suas velhas mães banguelas

que puxam conversa no coletivo

e despertam o fingimento covarde

das pretensões burguesas televisionadas


nas ignorâncias demasiadas

meu próximo é um concorrente

devo simular que posso (quero crer)

e apertar a campainha, descer no ponto

que, neste começo de noite, me cabe…

quem sabe sinta o perfume que a vizinha exala

e ouça a criançada a botar pra correr os demônios 


 

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