sábado, 27 de agosto de 2022

Conversa no zap

 

Nome de Deus, Hafiz Osman, 1693


       Uma conhecida me procura pra falar da morte de uma amiga. Surpreso: digo que sinto, que lamento, que a falecida agora é uma estrelinha brilhando lá no céu e pronto. Ficaria por isso mesmo se eu não engatasse uma conversa embalado pela lembrança dos seus olhos verdes gritantes e um sorriso de covinhas lindamente provocantes.

          Falo da beleza da nossa velha, santa e de sonhos mil, nossa linda mãe Bahia. E me vem à lembrança a gostosura da comida – comida de santo, autorizada pelos Orixás… Vixe, causei um arrepio. A moça, chocada, diz que obedece a um único deus.

          Metido a besta, penso com meus botões (desejoso de imitar algum poeta) “oh, deus”! Insisto: “oh, deus, tu casmurro, cheio de mungangas, ciumento e maltratador”… E teclo: - A Bahia é mais, a Bahia está longe dos bloqueios, dos preconceitos, de qualquer necessidade esquizofrênica de ser desamado?

        Pensei no deus que habita todos as coisas (como querem alguns filósofos) e meio que me peguei a orar: “oh deus que pretendes ser meu, deus cuja crença sinto que é até possível se acaso não praticasses amor desigual, fala comigo, se sois de fato paz e amor entre os viventes...”.

          E lembro que a melhor coisa que me aconteceu neste ano foi ver e ouvir Gil, em família (filhos, netos e bisnetos), mostrar, no alto dos seus 80 anos, a linda árvore que é no paraíso que imaginamos.

         Sinto que a moça, embora diga legal e amo, não ouve a si mesma nem aos meus pensamentos. Mas também não a escuto e repito: “ah, deus, bonito foi teu sinal, então por que ignoras? Que a Bahia é mais”!

          Disse isto ancorado no fato de ter nascido em Ilhéus, com um pé na Igreja Matriz de São Jorge e outro no terreiro de Nanã, minha madrinha (em cuja casa, através de um buraco de fechadura brechava Iemanjá pentear os cabelos sentada à beira da fonte que havia no quintal sem que isto me impedisse de vestir a batina de coroinha e ajudar na celebração da missa e um dia compreender que o único inferno que pode subsistir na nossa alma é ter causado mal, machucado alguém: o remorso é uma estaca eternamente enfiada em nosso coração).

        Mas não quis acirrar mais ainda o conflito. E com a alma tão longe, emendei: “nunca me doeu, e nem doí, o fato de amar a comida, o clima, o jeito, o cheiro, o dengo… Porque sou a Bahia que trago na memória (ouviu deus!). E, finalmente, pude fazer eco ao poeta: Triste Bahia, oh quão dessemelhante estás…

         A moça se desculpa e diz que vai voltar ao seu dia a dia, se despede não sem antes me dar oportunidade de mencionar, lembrando Caetano: “Sou uma bandeira branca enfiada num pau forte/ trago no peito a estrela do norte”. Ela parece rir. Eu, solitário, clamo: “oh, deus que não me abandonaste, por que tanto me maltratas”? 



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