sábado, 21 de março de 2020

O acéfalo caminha em meio a tempestade



Storm Man, Germaine Richier, 1948




preciso voltar ao normal
ao normal
      normal…

ao passar por hong kong
se depara: normal acabou
normal era exatamente o problema

o acéfalo, acossado, caminha em meio a tempestade
doença: - sou extremamente patriota, liberal e austera…
mercado: - não pare, não pare, não pare…
saúde: - já que deste tantos passos atrás,
             melhor isolar-se nas cavernas
discórdia: - precisamos nos manter unidos…

o acéfalo caminha em meio a tempestade
e, pungido, entra num cinema para ver um filme full HD
(reparem que transporta debaixo do braço
a própria cabeça embrulhada num saco plástico)

o acéfalo caminha em meio a tempestade
e, relutante, constata: é tarde
não há mais como fechar os olhos
não há mais como dormir
o filme é longo e lento:
(na tela, um acéfalo caminha em meio a tempestade
monótona
com a cabeça embrulhada num saco plástico, debaixo do braço)

cansado e desperto, um relógio
recusa-se marcar as horas e ninguém se toca…
é que as retinas estão proibidas de afagos
e nem podem ser chamadas para testemunhar
o fato de que, finalmente, cada membro,
cada órgão do corpo tem absoluta razão
em desligarem seus respectivos aparelhos auditivos
ao mesmo tempo que amplificam os decibéis de suas vozes

o acéfalo caminha em meio a tempestade
e, suicida, lamenta: não há mais quem invente um frevo
e comande o carnaval…

resta a sugestão de dar por encerrada a sessão,
catar coquinhos e/ou pentear macacos,
se não for desta vez que entramos em extinção


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