sábado, 22 de fevereiro de 2020

pastoral


Pastoral, Tarsila do Amaral, 1930



vou voltar ao passado
encontrar um antecedente
que tenha realizado qualquer coisa de forte e positivo
de doce e compassivo
ele, bom de peleja, amor e viola…

quem sabe um daqueles heróis míticos
que faziam o que era preciso
e jamais guardavam remorso ou rancor
pelo simples fato de estar bem com a natureza
que nem planta, pedra ou peixe…

tipos corajosos que não veneravam nenhum deus
porque tal conceito, em seu tempo, era desconhecido
e não havia necessidade de inventá-lo
mesmo que as crianças fossem geniosas ou malcriadas

mas se esse meu antecedente, humano
mesmo ínfimo, possuir o tamanho das nuvens
a largura do mar
a altura do céu
tudo farei para que caiba perfeitamente entre os meus dedos
debaixo do testemunho das estrelas
que brilham sutis no universo
e arrastam meu olhar para tal lonjura
à procura dele, a pelejar… e se, nessa jornada
acaso tope com demônios em seu mais distante caos
demônios que o habitem desde a origem
num esforço de aproximação, hei de naturalizá-los,
trazê-los à luz, torná-los meus, nomeá-los,
civilizá-los e fazê-los desfilar em trabalhosa estrofe,
esculpido verso, suado e sofrido poema

(e mesmo que tomado de insegurança,
evitarei criar os meus próprios
e legá-los, selvagens, ao futuro…)

para que desse encontro
apenas resulte singela
nossa brincadeira com palavras
bendito antídoto
à nossa singular e complicada mortalidade



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