sábado, 1 de fevereiro de 2020

Amor com amor se paga


House over the Waterfall, Jacek Yerka, 1981



Os primos decidiram que era hora de construírem uma casa. Após altos e baixos, culpa sem fim, medo, inveja, mágoa, baixa autoestima, profunda repressão sexual... me aparecem com aquela propaganda de que a “fé move montanhas” e cantaram, ao pé do meu ouvido cansado velho de guerra, a fatídica bola: ou estava dentro ou levaria um pé da bunda de afundar o queixo.
Pedi ajuda pra minha mãe. Solicitei que baixasse numa médium conhecida sua e mandasse um recado às madrastas tias: “livra meu filho desse atropelo ou me sinto liberada para divulgar tudo que vocês fizeram nos verões passados”. O jogo é duro e pesado: amor com amor se paga.
E lá vai um bom tempo desde que começaram a discutir de que tipo seria a decoração e qual sistema de segurança é mais adequado para uma família classe média, moradora de condomínio, com salário dos bons (daqueles que permite sustentar quatro filhos dispostos a torrar o capital, e reputação, sem o menor constrangimento), além de sustentar uma doméstica (que é praticamente da família) que trabalha sete dias por semana e por se recusar a dormir no emprego, sob o falso pretexto de que tem filhos pra cuidar, pode ser mandada pro olho da rua, por justa causa, e ainda ser processada por perdas e danos morais.
Cara, me divirto com os primos. Contemplo suas brigas e o vai e vem de suas decisões – ora assim, ora assado – e me deleito com a possibilidade de que acabem mesmo ficando no mais completo relento, acompanhados por seus fiéis escudeiros (que, à boca pequena, já deram o toque que só estão na jogada porque sabem que podem cobrar na Justiça Trabalhista uma indenização digna de divorciada de celebridade quando o “amor” acabar. E vai acabar).
Não faço a menor ideia do que move os primos. Aliás, faço… e abomino: suas atitudes e opiniões fazem a gente desejar viver ao lado de um daqueles traficantes evangélicos que se divertem incendiando terreiro de orixás só pra manter o consumo de cocaína dentro de padrões socialmente aceitos e assim terem suas atividades reconhecidas como de utilidade pública.
Os primos não são flores para se cheirar mas, como sou cuidadoso com esse negócio de relações parentais, tenho que dar uma de migué, fazer de conta que estou dentro, que compartilho de suas loucuras. Para tanto, aprendi a dissimular minhas dores (que às vezes é interpretada como bichice, boilagem, perobagem...) diante da potência que os primos fazem questão de apregoar em todos os reality show’s que, à custa de um bem empregado jeitinho, tem feito a alegria da moçada nestes últimos tempos à espera de um final para esta novela metida a besta, cujo único objetivo é manter os privilégios de sempre entre os dedos dos manjados manipuladores.
Aqui entre nós, os ignóbeis primos descobriram a fórmula de capitalizarem a mensagem de que são uma alternativa perfeitamente válida pelo simples fato de que em tempo de incerteza, se não se há resposta certa, a burrice conta.
Estou fora. Que os primos se lasquem entre as paredes do inferno que ergueram. E fico por aqui, a me reservar o direito e ser um tantinho mais cruel que eles. Atocha qu’eles bobeiam!

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