sábado, 23 de abril de 2016

Catábase

Orfeu e Eurídice, Edward Poynter, 1862



A estupidez engendra o caos
Segue-se a perplexidade…
E um novo despertar.


Desce, Orfeu
Ao inferno outra vez
Desce, amado

Empunha tua lira mansa
E com teu canto meigo
Abra caminho entre as sombras e os fantasmas
Distribua sossego às almas penadas
Sereno e suave inunde de luz as pavorosas trevas

Por amor
Sempre por amor
Desce, Orfeu
Desce mais uma vez
Ao tenebroso sítio

Que Sísifo deixe de empurrar sua pedra inútil
Que Tântalo estanque por instante sua insaciável fome
Que as Danaides descansem de sua faina de encher tonéis sem fundo…

E quando tiveres mais uma vez comovido o sombrio Tártaro
Pegue outra vez pela mão a metade da tua alma, Eurídice
Que assediada preferiu a morte a te trair, Eurídice
Este eco que teus lábios ansiosos louvam e suspiram

Mas cuidado, meu doce poeta
Cuidado, refreia tua dúvida
Não deixes tua impaciência
Tua saudade, tua carência
Teu desejo enorme de presença
Transforme outra vez teu sonho em névoa

Quem sabe, Orfeu
Quem sabe se desta vez
Tu não olharás para trás

Quem sabe se desta vez
Escaparás finalmente das mãos vingativas das mulheres
E da devastação que os deuses têm reservado para nós.




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