sábado, 9 de agosto de 2014

Difícil encarar o poema


Encontro, Lasar Segall, 1924


Difícil encarar o poema
A tela em branco, o teclado, meus dedos estranhos e humanos…
A montanha-russa que se passa aqui dentro
Que se passa além da minha janela, que se passa contigo
Que se passa, que se passa, que passa…

Queria dizer coisas bonitas aos domingos.
Dizer coisas inteligentes e bonitas
Dizer coisas legais pras crianças
Contar histórias das mil e uma
Histórias que nos livre da dificuldade de encarar o poema

Porque você liga, meu bem, você liga.
E é tão fácil agradar-te.
É tão fácil lembrar de ti aos domingos.

Vamos, me convide pra tomar a cerveja que combinamos
Quando éramos ligeiros e espertos 
O bastante para nos livramos de tantas coisas
Até encarar um poema numa tarde de domingo…
Éramos mais naturais, a ermo nestas calçadas que agora desconheço
Calçadas sonolentas às nove da manhã divididas entre crenças tão banais
Sem folego para iniciar uma madrugada para dentro do sonho…

Vamos, convide-me pra tomar o vinho que esquecemos
No fundo da geladeira quando ainda era dia
E costumávamos fantasiar a próxima primavera
Alheios ao limite das nossas insatisfações
Alheios a tarefa séria e complicada de viver
Alheios ao fato de que havíamos perdido
A sagrada hora de todos os nossos encontros.

Talvez nunca tenha existido alvoradas nem canções de protesto.
Talvez a memória seja somente um engano.
Talvez seja esta viagem, o efeito deste trem chamado às nuvens
Talvez seja só o meu peito e a mania que ele tem de inventar
Causa e canto para ofertar descanso ao meu espírito.

Porque você liga, meu bem, você liga.
E é tão fácil agradar-te.
É tão fácil lembrar de ti aos domingos.

Por isso hoje façamos assim: não combinemos mais nada.
Porque havemos de combinar qualquer coisa?
Talvez seja o meu medo de não poder mais dizer estas bobagens
Talvez seja só medo de que o poema acabe assim de modo célere, repentino
E tudo se transforme… De verdade… Em verdade.
Não, não quero mais te buscar mas seria bom te encontrar.  


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