The heart of the Circus, Marc Chagall, 1962
No dia marcado, o
Conselho Superior da Ordem tem sobre si a escolha.
Apresentam-se vários,
múltiplos e tantos candidatos. Muitos dormem na fila. Outros têm
guardado o lugar por dias. E surgem os atrasados. E os que ali estão para
“sentirem” o evento, ganharem experiência.
Grande é a balbúrdia.
Grande é o nosso parque, tamanha a nossa diversão. Enorme o nosso
auditório e inumeráveis as nossas salas e corredores intermináveis.
De nomes volúveis. Tantos e muitos todos os andares, inclusive nos
subsolos e nas escondidas garagens; na casa das máquinas; no poço
dos elevadores; na cobertura; no átrio; no pátio; nos jardins
cobertos; nas áreas de laser; nos campos adjacentes e
circunvizinhanças urbanas e rurais… Grande é a nossa expectativa.
Contínua e infinita permanece a nossa esperança.
Rádio, TV… Mídia
geral. Tudo conectado. Tudo ligado na catarse final. Reportagens,
comentários, estatísticas. Comparações. Equivalências.
Previsões. Otimizado o resultado, tudo dentro do roteiro
pré-fabricado que sai mais barato se bem planejado o lucro.
Colaboradores e
admiradores amparam a jactância de possuir a mais bela armadura, o
ídolo. Mas uma e apenas uma será escolhida. E, pelo tempo que durar
seu “reinado”: admirada, comentada, retratada, cantada em prosa e
verso até que chegue a hora de nova escolha, de novo engenho que nos
ocupe os dias.
Eis que temos de tudo. De
todos os modos, jeito e maneira. Pra todos os gostos. Cor, tamanho,
forma… Materiais caros, raros, esdrúxulos. Tudo previsível. Mais
do mesmo.
Importante é participar.
Ninguém espera nada além do mero evento. Ninguém espera nada além
do mero ornato. Ou alguém espera que uma armadura seja deveras?
Não! Digam-me: quem é
este maluco ou maluca ou os dois que se atreve a nos mostrar a
verdade? A acinzentar o brilho deste artifício? Em nome do quê nos
contradiz? Está claro: uma armadura é uma fantasia. A fantasia é a
própria armadura, pontificam os técnicos. Que mau gosto, replica
minha vó, a torcer o nariz diante da tentativa de subversão da
ordem natural das coisas. Viemos aqui pra nos divertir ou o quê,
protestam os convivas.
E tome furor. Indignadas,
nossas bochechas se tornam rubras. E sobrevêm a raiva. Danada
discordância. Santa raiva, a nossa, dela. E exigimos punições,
condenações, sacrifícios, execuções… Misseis e pedras
disparados… Mas eis que captam nossos ouvidos uma voz isolada, uma
remota fala, um débil apoio que reforça nossa crença de que somos
e seremos tolerantes com o imprevisto, inesperado. Mesmo quando choca
tanto. Como choca agora. Faz parte: dirão os compêndios. Diremos em
suma.
E absorveremos. E
criaremos outro concurso. Outros. Nós, os competitivos. Nós, os
contendores. Nós, os colecionadores de figurinhas.
E na hora marcada o
Conselho Superior da Ordem dará a palavra final, o voto definitivo.
E mesmo que discordemos pontualmente da escolha, faremos de tudo para
que a vida seja o mais próxima da felicidade possível porque é
assim que tem que ser e está sendo e tem sido.
Não!
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