sábado, 21 de junho de 2014

O dia que lembrei do Garrincha.


Garrincha encara um russo
Suécia, 15 junho de 1958


Embora continue um bom perna de pau, o futebol sempre fez questão de ficar perto de mim. 
Nunca participei de nenhuma equipe nem no meu tempo de escola. 
Mas sempre nutri simpatia pelo esporte das multidões. 
Por conta do sargento Pedro Nunes. 
Que me deu uma carteira de identidade militar.
E com isto abriu pra mim os portões do estádio Lomanto Júnior.
Foi seu jeito de me proibir de faltar ao jogo nas tardes de domingo.
Foi seu modo de me manter por perto.
Talvez por que quisesse fazer de mim um “crente”.
Acho que ele tinha medo que eu bandidasse.
O sargento era um torcedor fanático do Botafogo carioca.
A base do Esquadrão Imortal.
Com o sargento assisti aos jogos da Copa de 1958.
Nós dois ligados no sistema de alto-falantes.
Sentados num banco de praça.
Praça XV de Novembro, diante da Confeitaria Gato Preto.
Vitória da Conquista, Bahia.
E foi aí que compreendi o porquê da gente gostar do esporte.
É meio culto, celebração, comunhão de gentes…
Uma grande transada coletiva onde o gol é o orgasmo geral.
Charles Chaplin, em O Grande Ditador, batendo aquele bolão com o globo terrestre, silenciosamente nos mostrou qual é a do jogo:
Paixão, afeto, engenho e arte.
Tudo o mais é conversa mole, que pra mim foi enterrada com a Seleção do Tri.
Quando vejo ausência daquelas quatro faculdades, nos jogos por aí, garro a imaginar a alegria que senti naquela tarde de junho, ali em meio aquela algazarra, quando o sargento Pedro Nunes sorriu para mim pela primeira vez.
A paixão faz a gente melhor… Com certeza.
O problema é que, o que é bom não é para sempre.
O sargento morreu mas, seu gesto ficou.
E muitos anos depois, como se o destino tivesse marcado, como se tudo tivesse consequência, encontro, num boteco, na mesma avenida em que acenei para os bicampeões do mundo, o Mané – O Garrincha.
Abracei o Anjo Torto como se abraçasse o sargento que nunca abracei.
E sorri, sorri muito.
E agora estou aqui a pensar no drible, da jogada do entorta, do passe na medida, do gol genial, de bico, de tabela, de trivela…
Penso no instante em que a gente alcança o infinito.
Penso no momento que a gente toca a bendita felicidade.
E hoje ao desejar boa campanha Brasil, rogo:
Por favor, canarinhos, não joguem pra mim, que sou este eterno perna de pau.
Não joguem pela montanha de dinheiro que ganham e certamente vão ganhar.
Joguem, praqueles meninos e meninas, praquela garotada que está na infância e sonha em sentir a mesma alegria que senti naquele dia de junho, na praça XV de Novembro, ao lado do cara que aceitou ser meu pai.
Joguem pelo Mané, o eterno Garrincha.


Um comentário:

  1. Pai,

    Acabo de ler seu texto "O dia que lembrei de garrincha".

    Me remeteu claramente ao jogo final da Copa de 1994, nos EUA, em que você me levou para vermos a final em plena Avenida Paulista, em telões bem diferentes do que vemos hoje, porém o que me marcou foi a atmosfera, momento de euforia, no exato instante em que Roberto Baggio perde aquele pênalti. A semente vingou ali. Apesar de você pensar que a paixão, o afeto, o engenho e arte foram enterrados com a seleção do Tri, e até acredito nisso, para minha geração do Tetra restou o culto, a celebração, graças aos Pedros, Edmundos e Paulos, agradeço por isso.

    Bjos

    ResponderExcluir