sábado, 1 de fevereiro de 2014

Ausência de Milagre


The Boatman, TC Steele, 1884



Fiquei velho, sozinho e dono dos meus remorsos
E embora não pense ainda em despedidas
Uma sombra deseja ensaiar já com meus passos
Tudo aquilo que quero, desquero e malquero

Há uma voz que grita em mim que ainda faço parte
Que devo ainda assumir todos os riscos, todos os rabiscos
Todos os traços, troços, troças, traças…
Todas as danças, todas as lambanças…

Ainda faço parte e devo ouvir todos os inícios
Todas as origens legitimas e ilegítimas porque ainda faço parte
Das premissas, dos tratados e das estatísticas ainda faço parte
Dos manuais, dos catálogos, dos relatórios e das listas…

Ainda faço parte porque ainda estou aqui
Embaraçado com a indiferença, com o faz de conta, com o jogo de empurra
Com o jeitinho e principalmente o não me toques das nossas excrecências

Insisto ainda assim por minha banda em fazer parte
Mesmo diverso deste tão desencantado encanto
Cheio de medos e repleto de aflitivas incertezas
Transbordado em culpa, imerso em minhas insensatas desculpas…

E meus quilômetros de eiras e beiras
Tampouco o desamparo explica o sangue
Ah, pragmático sangue 
Que corre no recalque das minhas intangíveis fronteiras pois
Mais difícil que enxergar futuro 
É sentir o passado a projetar-me os passos

Apesar de tudo e minúsculo ainda faço parte e isto não é tudo
Se o todo é maior que a junção das partes 
Minha miséria jamais explicará o mundo

E por mais que me tentem seduzir à parte
Ressoa em mim o duro golpe da minha própria humanidade
Pois ao ficar velho e sozinho vejo que não há mais tempo pra milagre.


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