sábado, 22 de outubro de 2011

Soltem a Magdala - Capítulo 1


marceloazevedo.wordpress.com



Na longínqua, ensolarada e verdejante Ilha de Pelópia mandavam dois regentes austeros e ufanistas. Faziam e aconteciam e não prestavam contas. O povo para eles é que tinha a sorte de tê-los como donos da vida e da morte. Ê lugar bom pra se viver. Lugar bom pra se viver estava ali.


Burocrácio – (Com jornal) Patati patatá... deixa ver... ouçam esta aqui: “Não há um só pelopino, desde a mais tenra idade, que não pratique o mais popular e nobre esporte. Celeiro de craques, somos hoje grande exportador de cafifas. Pelópia desponta como favorita absoluta ao título máximo no campeonato mundial de pandorgas, posição que mantém a mais de meio século, a despeito da torcida contra, invejosa e maledicente”. E vai por aí a fora...
Devassa – A vida é linda!
Baleia – (Entrando esbaforido) Meus soberanos, o Ministério da Coisa Líquida e Certa...
Volupo – Que espero continue acertando e liquidando com altos índices de produtividade, diga-se de passagem!
Baleia – Respeitosamente...
Devassa – Você não está irradiando bons fluidos, Baleia!
Baleia – Sinto-me envergonhado por trazer-vos desagradável notícia.
Volupo – Quem se atreve...?!
Baleia – Os Prejudicados!
Devassa – Gentinha sem caráter.
Volupo – O que desejam desta vez? Não bastam as cestas básicas?
Baleia – Sublime recordação. Porém, o buraco agora é mais acima. Ameaçam invadir o palácio se a infante Magdala não for libertada e coroada imediatamente soberana de Pelópia.
Regentes – Ai, ai, ai... me segura que vou ter um troço (Desmaiam)
Burocrácio - (Ao Baleia) Satisfeito?
Baleia – Mas...
Burocrário – Esta tua competência ainda vai acabar nos levando pro buraco.
Baleia – E agora?
Burocrário – Segura tua onda e vai bombando ar (Entrega-lhe um leque. Recita) “A densa floresta de sanguessugas repleta/ De abrigo serve ao ignaro contrabando/ E às orgias laicas dos primitivos aborígenes/ Mas o braço valeroso e forte/ Do egrégio poder lúcido e audaz/ Traz a impoluta máquina/ O potente tijolo/ E o prático aerosol repelente/ Cumprindo seu destino altaneiro/ Rasga o homem/ O manto covarde e vil da indolência/ Introduzindo na mata inóspita/ A singela civilização/ Ei, serra/ Ei, trator/ Leva o progresso onde a vontade guie/ E a insigne excelência alcance”.
Devassa – Já consigo respirar!
Volupo – Puxa, tocou fundo. Lavra de quem, esta pérola?
Burocrácio – Da minha santa vó, que o divino a tenha!
Volupo – Emoções à parte, chegou a hora da onça beber água. Abram as canais com a nação!
Burocrário – Rede à postos! Em três... dois... um, no ar! Sai pro lado, Baleia!
Volupo – Pelopinos e pelopinas. Mais uma vez, no exercício estrito do dever outorgado, penetro em vosso lar (com perdão da má palavra) no momento em que saboreardes uma gentil penosa. Obrigado e bom proveito. Amados, novamente a mão solerte da discórdia ameaça nossas mais sagradas instituições que, com sacrifício pessoal e familiar, busco preservar e aperfeiçoar. Daqui, do aparente aconchego do trono, onde, para informação de vocês, faço das tripas coração, estou de butuca naqueles que querem chutar o pau da barraca! Comigo não, violão! Aqui não tem esbórnia. Somos pacíficos por obra e graça do divino mas, se me pisam nos calos, rodo a baiana e aí todo mundo vai saber o que luzia perdeu na horta. É só. Em nome da nossa amizade, fica aqui um grande abraço. Fim.
Burocrácio – Fechada a rede.
Volupo – Acho que coloquei as coisas no seus devidos lugares, não? Burô, me chama o Falcão.
Devassa – Amoô...! Será que vamos ter um endurecimento do regime?
Volupo – Arriar a bandeira, nunca!
Devassa – Nossa, me subiu um fogo. (Ao Baleia) Que parar de abanar esta meleca!
Volupo – Devassa, na iminência de chover cobras e lagartos, talvez devesse passar o fim de semana na casa de Noca.
Devassa – Nem vem que não tem!
Volupo – Foi só uma sugestão.
Devassa – Te conheço de outros carnavais.
Volupo – O trem aqui vai feder, tô avisando.
Devassa – Pode tirar seu cavalinho do cerrado.
Volupo – Diz que me ama!
Devassa – Num digo!
Volupo – Diz.
Devassa – (Inaudível)
Volupo – Não ouvi.
Devassa – Fico encabulada!
Volupo – Quem é a minha bilunga?
Devassa – Ah, Volupo, pára, vai!
Volupo – (Xumbregação) Que foi, Baleia?
Baleia – Olha, não é pieguice, não. Mas esse amor me comove.
Devassa – Devias ter pensado nisto antes.
Baleia – Perdoem-me qualquer desassossego.
Volupo – Depois me lembre de te dar uns cascudos.
Devassa – São sejas duro com ele.
Baleia – Para minha remissão... (Apresenta relatório) Saiu indagorinha do forno.
Volupo – Quanto?
Baleia – Nadinha. Não gastei um só dubrix. Claro que usei de certos métodos persuasivos, coisa leve, autorizada pela lei de patentes. Vê esta reta ascendente? Estamos no rumo certo.
Volupo – Quem?
Baleia – Vosso governo.
Volupo – Aprovação?
Baleia – Noventa e oito virgula noventa e sete.
Volupo – E o resto?
Baleia – Que resto?
Volupo – A titica que falta.
Baleia – Favas contadas.
Volupo – É por isto que você continua morando na cidade baixa.
Baleia – Considere a margem de erro!
Volupo – De erro em erro, ferra-se um governo!

Continua... 

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