sábado, 13 de agosto de 2011

A Tradição Relativa IV


hernehunter.blogspot.com

As Belas Palavras

Quando a cabeleira flamejante de Ñamandu
Dançava nas coroas que ornavam as cabeças dos Jeguakavas
Os caraíbas chegaram para aumentar o mal no mundo

Karai, que andava pela terra à procura de ywy mara eÿ
Recusou o sinal de repartir o rosto e disse:
- Guardem seu deus, temos os nossos!

Mburuvicha não gostou, falou dos presentes
Do pau de fogo e da faca, do quanto era grande a terra pra cultivar
E dos muitos inimigos que os Ava tinham que vencer
- Ywy mara eÿ é sonho, difícil de encontrar.

Karai tomou o assento da palavra e disse que era hora de ñe'ë porä
- É preciso ganhar a pátria das coisas não-mortais, disse Karai
Que se ywy mara eÿ não existia, que Ñamandu falasse
Que todos os deuses falassem, que era a hora da completeza acabada

Os Jeguakavas abriram seus corações e aguardaram a embriaguez.
Cessou todo o ruído da floresta, cessou o alarido das crianças
Sabiam que sem ñe'ë porä nenhum adornado iria sobreviver.

E o que Karai falou esplendorou nos corações heroicos dos Ava
Dignas dos deuses, as palavras adornaram-lhes ainda mais a alma
Ñe'e porä dentro deles, semente em cada um, ywy mara eÿ inatingível
Pela violência e pela brutalidade da Terra Má, agora domínio dos caraíbas

- Porque nós, belos adornados, somos expostos a uma existência achy,
Perguntou Karai, porque somos reduzidos a viver a vida de animais doentes?
Nós desejamos ywy mara eÿ mas nossa condição é ywy mba'e megua
Como podemos reconquistar nossa pátria perdida, nossa pátria múltipla?

Karai, um arandu porä, um ñe'ë jara, permitiu que o pensamento se libertasse
E a sua potência desdobrou desdobrando-se ao ponto de tomar conta de Karai
E não era mais ele quem falava, mas um longínquo eco de numerosas vozes
A murmurarem a dança flamejante da cabeleira de Ñamandu na noite originária
E os Jeguakavas, fios de sua cabeça, disseram, cada um com voz própria,
Karai tem razão, ywy mara eÿ vai nascer de belas palavras, de ñe'ë porä.

- Que fiquem guardadas no recôndito da floresta para serem pronunciadas
Pelos poucos numerosos que se erguem na sua totalidade de adornados.
Para que nossa carne de natureza imperfeita se sacuda
E jogue fora, para longe de si, sua imperfeição.

E quanto a você, Karai Ru Ete, você, nós-vós,
Todos os dias hás de pronunciar as abundantes palavras,
As belas palavras que nenhuma pequenez altera. 


2 comentários:

  1. Muito lindo e para mim um conhecimento novo.
    O que tens nessa caixa para mostrar , hem! Meu rei?Fico imaginando se eu tivesse um minuto por mês contigo...Seria realmente a pessoa que sonho ser.
    Íris Pereira

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  2. Paulo Laurindo, seu texto nada deve ao do grande Câmara Cascudo, em sua Antologia de lendas dos índios brasileiros, cujas histórias eu lia para meus filhos quando pequenos.

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