sábado, 28 de maio de 2011

Mas afinal, o que significa isto?

Auto Retrato, Norman Rockwell, 1960


Tenho que ficar com esta mulher antes que suba! Ou seria: tenho que pegar esta mulher antes que suma?

Redondo, redondo até demais para o padrão das últimas semanas em que praticamente, praticamente não, literalmente não escrevera nada. Dois meses de completa inação e a constante desculpa: o trabalho, o trabalho outro que o impedia, que não dava trégua, que era estafante e retirava toda vontade de dizer ou fazer qualquer coisa que fosse, que é assim mesmo, que a vontade some, depois volta quando bem entende, que ela, a vontade, no fundo, não está nem aí, qualé desse negócio de ficar dando sopa?, não é mulher de malandro não!, vamos, que dê tratos à bola, que não tem essa de ficar na espera de que tudo venha prontinho, mastigado, na boquinha, assim: na hora que estalar os dedos, que que é isso? É preciso suar a camisa, se é que me entendem.

E nada! Nada de qualquer ideia se dignar a surgir. E aquilo já estava começando a encher o saco, contrariava todos os seus planos... Será o benedito?! Falta de trato, pensara, ou de tema, retrucava! É isto, urgia encontrar um tema, o fio de meada... Até encontrou um velho texto que deu dicas a respeito e, coisa pouca, produziu uma vontadezinha de começar a martelar o teclado a experimentar notas velhas, quem sabe não sairia um velho argumento em algumas velhas letras mortas, dois ou três velhos motivos (e tem tantos), talvez não lhe fugissem os safados (é que eles parecem não querer compromisso), quem sabe nem cheguem a tornarem-se motivos, porque parece que tudo o que deve ser dito já o foi e fica a impressão que nada adianta e de repente vem uma onda, não se sabe bem porque, uma velha onda estranha vindo lá dos fundos de lugar nenhum e a gente fica sem saber se pega ou não a carona, mesmo porque a desconfiança é grande e por mais que pareça que vai botar pra quebrar, acaba naquilo que a gente já está cansado se saber; no fim das contas, é cada um pra si, na base do “eu preciso sobreviver”, sabe como é? (Não faço a menor ideia do porque este paragrafo termina desse jeito mas, faz de conta que estou tocando em aspectos da existência que valem deveras a pena serem tocados). E tem mais, tem sempre aquela espera, uma longa espera que não se sabe bem porque se espera, sabe-se apenas que se espera, afinal não se consegue desgrudar daquela velha sensação de que se a gente espera, é bem possível que a gente alcance, é que nem sair andando a esmo, não se sabe bem aonde chegar mas sabe-se que chegar a gente vai chegar, embora não se saiba exatamente aonde.

Um sonho, sabe, aquilo que nos acomete quando dormimos e não fazemos a mínima ideia de como foram produzidos naquela parte da gente que parece não se encaixar em nenhuma norma ou manual de redação, aquelas imagens, sabe, que vão, vêm e por conta disto tratados e mais tratados encontram-se nas estantes à espera de mais tratados que lhes façam companhia em tempos estes de pragmatismo, porque de metafísica, ultimamente, não se fala nem em reunião de família quanto mais em roda de amigos sem um arrepio de constrangimento mas, no fim das contas, é preciso que se diga que apesar de tudo isto, se a gente não transcende quem irá transcender por nós? É isto, só um bom e velho sonho, gasto, muito gasto, mas ainda assim sonho, um velho e bom sonho, desses que a gente leva um tempão querendo sonhar, e nada, e quando se pensa que não, já sonhou e vapt, vem assim redondo, prontinho para ser escrito, dito e propagado, porque é pra isto que os sonhos servem, para serem contados e cantados pois se não se fala e/ou se canta os sonhos, como poderemos saber o que eles representam e do que são capazes. O sonho, essa meia verdade, é que nem boato: a gente espalha e espera pra ver o que retorna, o que retorna significa ou não, afinal este é o combustível que alimenta esta máquina maluca que chamamos viver.

E agora, acordara com esta. Naquele momento sentiu que nenhum retoque deveria ser feito, estava lá acabadinho, redondinho, prontinho pro papel, bonitinho, instantes antes de acordar com a sensação de que voltara ao tempo em que boas ideias surgem assim, do nada (vejam só que anacronismo!) como se fossem a coisa mais natural do mundo (isto de escrever quando se deseja). Por isto não se preocupou em digitá-lo imediatamente e, cáspite, agora o que saía era isto: Ela vai subir, sei que vai e quando estiver por cima não vai mais querer saber de mim. Só? Apenas isto? Mas, qual é?, o que vou fazer com isto? Isto não dá pra chegar na próxima esquina! Tenho que ficar com esta mulher antes que suba. Ela vai subir, sei que vai, e quando estiver por cima não vai mais querer saber de mim! Mas afinal, o que significa isto?

Porque ainda não inventaram uma traquitana qualquer, uma que permita que seja gravado o que foi sonhado sem ter que passar por esta gramática que nos assola logo após botar os pés no chão e tomar a primeira xícara de café do dia e cumprir aquele ritual que a gente já morre de saber que vai nos tirar do sério, nos arremeter para aquela caverna escrota que é este tal cotidiano onde parece que tudo está disposto a conspirar, servir como desculpa para que nada vá adiante, nada siga outro curso que não o do dia anterior enquanto se aguarda o dia seguinte com aquele sabor de cabo de guarda chuva na boca... Porque ainda não inventaram uma traquitana dessas que impeça que sejamos atacados por contrários logo após abrir os olhos e começar a tentar compreender o que sonhara?

Deixa pra lá, não tem jeito, não consegue lembrar, só lembra o que já escrevi acima e agora o máximo que consegue é: Tenho que ficar com esta mulher antes que suba. Ela vai subir, sei que vai e quando chegar lá em cima não vai mais querer saber de mim. Aproveito a deixa e respondo: - Pensa, quando ela estiver lá em cima, podes apontar e dizer: está vendo aquela princesa? Um dia esteve deitada em meus braços e não fui merecedor. Talvez o sonho tenha sido mais dramático ou claustrofóbico mas, reserva-se o direito de pintá-lo com cores amenas, não tão berrantes, um tanto quanto pastel, para que não pareça que é o que teme ser. Afinal, levar-se à sério é metade da piada. 

Não é que a emenda deu uma certa boniteza ao conto? No fundo, acordar sempre é possível, desde que o que se espera seja alguma coisa factível, plausível, e nunca pareça que estamos a meter os pés pelas mãos. Não existe coisa pior do que o passo maior que a perna ou querer encontrar chifre em cabeça de porca. É possível viver e conviver com pouco, é possível ser razoável consigo mesmo e, principalmente, com os outros. Ops, isto não estava no programa. Tem nada não, estar fora do programa é aquele algo a mais que faltava para o dia não ser de todo em vão.


3 comentários:

  1. Os dias não são em vão, quando os preenchemos com criatividade. Beleza de conto, Paulo Laurindo! As dicções se interpenetram, assim como os planos.

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  2. Meu rei tudo isto parece exatamente quando estou meio fora de mim e fico revirando coisas na minha cabeça e pra não perder a razão tomo ( seja que hora dor)diazem, então vem aquela sensação que sou normal e junto tudo num só pensamento sem interrupção e corro para o pc e escrevo, vou mandando ver, depois nem volto a ler para não mudar nada, assim foi o que vi neste seu texto criativo e livre de qualquer compromisso. Você é mesmo majestade, meu rei.
    Um dos mais difíceis de compreende e eu entendi.( com a ajuda do Diazepam, claro).
    Um forte abraço.
    Íris Pereira.

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  3. Sabe meu rei, minha ignorância vai muito além do que eu imaginava e do que você sabe, nunca li nenhum dos que mencionou. Li no outro depoimento do que gostava e quis de imediato criar algo para você, fui escrevendo deu no que deu, mas eu mesma achei fraco, mas era noite, cansada e meu marido me cutucando...Mas prometo farei um de arrebentar, viu?
    Um forte abraço.
    Íris Pereira

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