sábado, 5 de fevereiro de 2011

Silêncio

Musa do Silêncio, Giorgio Chirico, 1913


Flores elétricas de petróleo, suspiram outono.
O ar luminoso e a fumaça mecânica do cigarro:
Passado e o futuro - pura estática -
Fuligem de peregrinos sonhos.

Tanto a perder...
Nada a perder além destas águas inundas:
Pinheiro, Tietê... tão pútridos,
Tão insistentes no uso banal da liberdade -
Ó veias detonadas pela ignomínia dos cínicos.

Quem quer saber, ó massa de olhares oblíquos, das estrelas infindas
Madrinhas de destinos pífios, ó intimidades cortesãs?
Tudo é tão vasto William, e a matéria minúscula.

Ah, simplesmente imitar os grandes: Jorge, Fernando, Andrade...
Apropriar ideias, fundi-las num chip e incrustar no córtex.
Sofrer solidão povoada de sonhos e lamentos ancestrais.

Repartir cada migalha de lágrima com vocês
Ser tudo e não ser nada, acordar menor ainda,
Tão ínfimo e irresponsável como se não houvesse seguinte.
Escrever e não corrigir quisera, ó meu espírito tomado de assombro!

Que haja desencontro nesta avenida possuída de ícones
(Santidades adornadas de tributos em saletas virtuais)
Que hoje quero beijo grátis em feiras de duvidosas tecnologias!

Que sabemos, ó comuns, dos olhares suicidas,
Dos que se movem nessa noite de orgias evangélicas?
Que onda transpassará as almas no além instante?

Deixai-me, ó pensamentos:
Devo caminhar ornado de palavras e temores,
Pétalas que lanço à passagem para afugentar multidões.

Cansado de sinas e empurrões alço voo ao abandono,
Sítio imensurável, território inacessível a todas as promessas
Fabricadas em depósitos clandestinos de cimento e cal.

Real apenas uma velha ponte, construída de nuvens abstratas,
Incartograficamente situada na fronteira do esquecido,
Onde nada é alcançado, elogiado ou execrado,
Onde não existe revolução, invenção ou revelação,
Ó meus dedos habitados de ferrugem e sal.

A ponte e um nome por companhia apenas,
Reunião de fonemas ausentes de teoria,
Lugar onde finalmente me terei
Longe da tristeza pragmática dos concretos
Do assédio de deuses vociferantes, céticos de calçadas...
Lá, Maíra vale e vela esse meu sono expiante de agonias.

Ah, Maíra, teus lábios entoam histórias e canções absurdas,
Faz-me rir teu sorriso desbotado, transcendentemente incrédulo,
Só assim tolero teu irrefreável discurso e inutilmente varrermos o pátio
Enquanto gargalhamos das mungangas dos acrobatas
E o dia vai e volta, a dor é perene e não sabemos...

Ó sentinelas, vigias impassíveis que olhais estes passos,
Respondei sem escárnio se perguntados onde (que nojo, não digais).
Não precipitai os olhos em conclusões
Nem reparai nos meus sapatos fubecas
Tampouco neste meu jeito antigo, ginasiano de dizer...
Vede que nos tangem catapultas de abismos?


5 comentários:

  1. Fiz uma primeira leitura assombrada. É preciso reler com cuidado e zelo. Depois volto para percorrer os versos com que você expressa, de um jeito muito além do "ginasiano", fundadas observações do mundo.

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  2. "Real apenas uma velha ponte, construída de nuvens abstratas"? Real a profundidade das águas que aqui jorraram!

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  3. Meu querido está difícil demais, parece um vestibular para medicina...Ufa! Desta feita fiquei até amedrontada. Tanto conjunto de palavras pra mim até desconhecidas e pondo as em ordem se que consegui, ficou mais difícil ainda. Deixo pra lá, você está intelectual demais ou revoltou-se de vez, ora!
    Receba um carinho bem gostoso meu, assim quem sabe melhora, meu rei.

    Íris Pereira

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  4. Denso! Mas não vou desistir... é sempre bom um desafio cognitivo!!!

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