quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Rua

A rua não pára, a rua vai e vem. A rua sobe, a rua desce, a rua até desaparece. A rua dorme, a rua sonha, a rua por vezes é estranha. A rua chora, a rua grita, a rua protesta e agita. A rua, amigo, dança e canta em fantasia de domingo.

De olhos pichados e pés baldios a rua vai, ora beco, viela, travessa, ruela, passagem, alameda, avenida... Augusta, Aurora, Paulista... Rua da Saudade, do Sol, das Moças e das Meninas...

Acolá é rua de Brigadeiro, ali de Soldado, Cientista, Pedreiro... Umas santas, outras profanas, umas altivas, outras quebradas... Aquela é não nascida, a outra interrompida e tem essa aqui abortada.

Ah, rua do Triunfo, da Glória, das Flores e dos Canários... Rua Olhos de Sonhos!... Conheces a rua do Coração, a rua das Palmas, da Varzea, da Velha, da Vera, da Vida?

Ruas sois todas, ruas da memórias, reais e também imaginárias... por teus caminhos, às vezes labirintos, sois apenas artérias de uma desajeitada arquitetura.

Eis que na rua se topa com o meio fio. É que o passo se dado em falso, fere a rua, esse mero espaço. As casas que a pontuam, secas, cega a rua e seguem lentas, ainda cruas.

A rua, amigo, está nua, sem lua, sem rio... Ah o rio, rio do rio e crio o rio frio nesta rua fria. Vê como a rua está feia? Cadê a lua cheia, cadê o pente que a penteia?

Vai, rua extrema, vai, exprima, esprema o excesso que banha esse leito explêndido que eu exangue e exato excedo e excito e exclamo sim eu peito eu puto eu pinto e bordo nas suas margens plácidas, nesse começo do fim, pois é no fim que recomeço e reconheço que entardeço mas, oh rua, não te peço, não te penso e não te quero e estremeço.

Cadê a rua que margeia a ilha dos amores, que espanta os temores, vinga os clamores, apaga os dissabores, a rua que me leva, me lava, me limpa, me cura, me anima, a rua que orna, me conta, me canta, me encanta, a rua me inventa, me tenta e me planta na palma da mão, a rua que me leva de roldão, que me amassa, me pisa, me joga no calçadão, a rua que me atura, me aninha, me esquenta, me come, me sacia, a rua que me faz cócegas e que me esquece e mesmo assim me apregoa essa rua que me anuncia?

Ah, rua, nunca, nunca te mostres vadia que eu nunca, nunca, te deixarei vazia e mesmo que te preencha de desígnios outros que não dos meus passos seguirei andando, oh rua, sempre no teu encalço.


8 comentários:

  1. Me fez lembrar o mesmo Espelho cristalino, do Alceu:
    "essa rua sem céu, sem horizontes
    foi um rio de águas cristalinas
    serra verde molhada de neblina
    olho d'agua sangrava numa fonte"
    Ruas que passam, que ficam, com nomes gravados também em nossa memória.

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  2. Lindo, adorei!
    Bjs pra vc meu amigo!
    Gena

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  3. Ruas que ficam com nossos pés marcados, sós ou acompanhados, ruas que ficam em nossas memórias e guardam nossas historias contadas ao pé do ouvido de alguém que se mostra tão interessada, mas seu interesse maior é participar do segredo que fica jogada nos buracos da rua escura por perdemos nossa inocência...Nem as aguas das enxurradas levaram consigo...

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  4. Ah essas Ruas, com pedrinhas de brilhantes...

    Belo!!

    Magnolia Menezes

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  5. ...Esqueci-me que queria mesmo perguntar-lhe:
    Já visitou o blogirisalemdohorizonte? Que conselho daria à ela?

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  6. Você não é Rua qualquer. É uma grande Avenida de talento, a nos fazer passear por ruas e rios de sensibilidade.

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  7. Paulo Laurindo,

    Como o mundo é pequeno! Eu também converso com minha rua, transfomando-a num lugar só meu: seu luar de prata, clareando as calçadas, os namorados sentados em abraços num banco de pedra,em frente a minha casa; os dois lados da rua se encontrando, em busca do rio que a corta lá em baixo; um casarão, do outro lado do rio, onde casais de namorados passeiam seus amores ao luar, como fantasmas lúgubres...
    Ah, meu amigo, como seria bom se as pessoas pudessem encurtar distâncias...
    Daqui, deste sertão potiguar, é um prazer visualizar sua rua e compará-la com minha rua.
    Aqui, à noite, costuma-se colocar cadeiras nas calçadas, reponder os cumprimentos dos passantes e jogar conversa fora com os vizinhos até tarde...
    Abraços, Maria José Mamede (escrevo prosa e poesia)

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