domingo, 6 de junho de 2010

Internacionalização da Amazônia - Cristóvam Buarque

Recebi na semana passada um e-mail com uma resposta dada pelo Senador Cristóvam Buarque durante debate realizado na cidade de New York, em novembro de 2000. À parte ser vago de informações sobre onde realmente aconteceu este debate – uns dizem que foi numa Universidade, outros que foi no Hotel New York Hilton – o revelante é que esta resposta é um primor de lucidez em face aos enganos e mistificações que nos assolam.
Naquele tempo, o ilustre pernambucano atuando à frente da Ong Missão Criança, percorria o mundo em busca de investimentos em educação em troca de parte da dívida externa dos países dos terceiro mundo.
Interpelado sobre o que pensava sobre a Internacionalização da Amazônia e que deveria dar uma resposta como humanista e não como brasileiro, o ex-Ministro da Educação não se intimidou e produziu uma reflexão que, penso, ficará nos anais da História.


"Como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso.

Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a humanidade.

Se sob uma ética humanista, a Amazônia deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado.

Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação.

Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Neste momento, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos Estados Unidos.

Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhatan deveria pertencer a toda a humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza especifica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.

Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos Estados Unidos. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil.

Nos seus debates, os candidatos a presidência dos Estados Unidos têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de comer e de ir a escola. Internacionalizemos as crianças tratando todas elas como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro, ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar, ou que morram quando deveriam viver.

Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa"!

3 comentários:

  1. Este texto atribuído ao Senador é de uma lucidez meridiana e bem reflete a postura política desse que é um dos poucos políticos que honram o voto do eleitor.

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  2. Olha só! um professor meu, há pouco tempo, durante uma aula de economia internacional, citou esta resposta do Cristovam.
    E quanto mais propagada ela for, melhor para todos. Conscientização nunca é demais.

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  3. Já tinha lido o e-mail e me lembrei do João Saldanha: na Copa de 1974, na Alemanha, em uma entrevista à televisão alemã perguntaram a ele sobre uma chacina de índios que havia ocorrido na época. Resposta: " É verdade, e é lamentável! Mas é bem menor que os 6 milhões de judeus que vocês mataram na II guerra! Pano rápido.

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