sábado, 1 de maio de 2010

Um Completo Banana

Quando minhas filhas resolvem tomar conta do único computador da casa, sai de perto. Invento que vou tirar um cochilo e fico de butuca, um olho aberto outro fechado, só assuntando o drama.

A mais velha gosta de jogos de vestir, maquiar, coisas de barbie e de outras bonecas parecidas... Coisas que redudam no seu gosto pelo estilismo, da moda, da novidade, do diferente e do inusitado. É comum perder horas diante do espelho escolhendo uma roupa apenas para ir até ali na esquina. Costuma misturar tudo que tiver pela frente: roxo com verde, amarelo com lilás, pantalona com top, calça “pula brejo” com sapato de salto alto, casaco pesado com sandália havaiana, gola rolê com mini saia, e vai por aí a fora. Saiu num dia de verão, calçada num mocasssim e meias de cores diferentes. Ousada ela é, não posso negar. Para não ficar mais sujo que chão de galinheiro, de vez em quando dou uma olhada e solto um “uhn uhn”, um “ahhhh” meio sem jeito... Faço de conta que estou me divertindo e fica o dito pelo não dito e assim ela continua suas experiências, testando todas as possibilidades que a sua mente de doze anos é capaz de engendrar. Um dia, quem sabe, ela consiga encontrar um estilo e aí seremos todos bombardeados por suas conclusões. Só fico preocupado quando ela se arreta e larga tudo prá lá e diz que não consegue fazer nada direito, que o site não oferece as opções que precisa ou que o seu guarda-roupa está muito pobre, que precisa comprar roupas novas e blá, blá, blá. Aí tenho que, sereno e severo, entrar em ação. Chego junto, dou outra olhada e faço um comentário agradável, na tentativa de sossegá-la, não posso permitir que ela fique tão chateada ao ponto de desistir de si mesma. Quando dá os cinco minutos, ela larga o computador e se aproxima querendo bater papo. Eu gosto e aguardo a deixa para ver se posso contribuir realmente com alguma coisa boa para o seu progresso.

É nessa hora que a mais nova aproveita e entra no Orkut, sua paixão. Tal qual nove entre dez brasileiros conectados. Digo que não sei o ela vê nesse tal de iaculti... Ela, séria, me corrige e insisto só para aperreá-la mas, ela não liga... Cuida de atualizar seus contatos, trocar mensagens, fotos e jogar com as amigas e amigos da escola e com os parentes distantes.

Preciso voltar no tempo para que vocês entendam como me senti naquela tarde quando a mais nova me mostrou pela primeira vez um joguinho chamado “colheita feliz”.

As duas cresceram estudando em escola pública. Quando chegaram à quinta série, a mais nova fez e aconteceu para mudar para uma escola melhor, ou seja, escola particular. Alegou tudo, que a comida era ruim, que havia muita violência, que outro dia um menino entrou armado na escola, que mexiam muito com ela, que estava insegura, que não aprendia nada, que se quisesse ser médica pediatra tinha que estudar em escola particular... Encurralado, disse que não dava, que não tinha dinheiro para tanto, que a escola quem faz é a gente, que livro é o que não falta, e tenho um bocado, que podia arranjar todos que ela me pedisse, que sempre estudei em escola pública, que estava ali para ajudá-la no que fosse preciso, nos trabalhos, nas pesquisas, que era uma pessoa que sabia de algumas coisas, que não era burro, que tinha discernimento e coisa e tal... Não teve jeito, queria porque queria ir para uma escola melhor, o que significava ir para uma escola particular. A mãe, preocupada, mexeu e remexeu até que conseguiu duas bolsas numa escola particular. Comprometeu-se a prestar alguns serviços e assim conseguimos levar a vida por um ano.

Foi aí que, naquela tarde, quando a mais nova assumiu a cadeira diante do computador, tomei conhecimento do interesse dela pelo joguinho. O jogo pode não ter sido descoberto durante sua estada na escola melhor mas certamente foi lá que ela pegou um tal gosto pela coisa ao ponto de levá-lo tão a sério.

Para quem não conhece o jogo, resume-se a você montar uma fazenda, plantar, criar animais e efetuar trocas e vendas visando aumentar seu capital, melhorar suas instalações e ampliar o seu negócio. Nada demais até aí, ajuda no desenvolvimento da iniciativa e incentiva o empreendedorismo. Mas o negocio começa a feder quando a prática comum permitida consta de nada mais nada menos do que roubar dos vizinhos. Isto mesmo: roubar! Você pode roubar no jogo. Você pode adquirir capital roubando dos outros. E nisto, minha filha mais nova encontrava verdadeiro prazer, sob a alegação de que “se todo mundo roubava, ela também devia roubar”, que esta era a única forma dela conseguir capital, queria comprar uma vaca e precisava de não sei quanto do dinheiro virtual circulante no jogo. E de nada adiantou o meu espanto, ela não estava nem aí para as minhas investidas contrárias àquilo que sempre considerei inapropriado desde os meus tempos de menino educado em escola pública.

O fato é que entre a violência e inépcia da escola pública e o ensino pretensamente melhor da escola particular, minha filha mais nova estava caminhando tal qual uma “maria vai com as outras”, reproduzindo a imortal Lei de Gerson: se dar bem a qualquer custo!

Naquele dia, fui dormir com a sensação de que, apesar de limpinho, corro o risco de me tornar um completo banana.


6 comentários:

  1. Adoro essas coisas da vida de verdade.
    Foi assim que vi meus dois filhos se tornarem
    pré adolescentes, depois adolecentes,jovens e
    hoje se encaminham pra vida de adultos.
    O caçula um profissional de valor no meio artistico.
    Se posso te dar uma dica:siga exatamente como vc é em fmailia hoje.Porque o tempo passa rapido demais.Sei que ja deve sentir isso na pele,ainda mais Moças!
    E eu?Feliz me entrego a espera de setembro quando serei avó!
    Adoro essa coisa de viver cada fase./Adorei seu post de verdade, me deu otimos momentos.É mnha sobremesa, acabamos de almoçar em familia.
    Lindo sabado pra nós todos, bj em todos ai
    entre sonhos e delírios

    ResponderExcluir
  2. Todos os pais têm as suas agruras, não importa o tempo em que vivem. Os filhos têm as suas maneiras de viver seu tempo, furando barreiras, atirando-se para o futuro. Acredito que, se a amizade presidir a convivência, todos nos salvaremos e, pode ter certeza, nos orgulharemos dos filhos que demos ao mundo.
    Belíssimo texto, Paulo!

    ResponderExcluir
  3. Pois é: ensinem aos jovens a serem ladrões, eis a sina de um pai honesto...E banana, como nós, velhos otários com muito orgulho!

    ResponderExcluir
  4. Hahahaha. Adorei. Muito bom mesmo!

    A reflexão, a principio séria e delicada, ficou leve, por causa do humor refinado. Escreveu um texto incrível; parabéns!

    ResponderExcluir
  5. É curioso como quando o ser humano (vamos generalizar aqui, mesmo sabendo que as coisas não são bem assim. Enfim...)se torna pai, responsável, todas as suas amarguras se multiplicam de forma exarcebada. Afinal, não são só as suas amarguras que estão em jogo, mas também as amarguras de vossos filhos.
    Passam então a viver duas, três, incontáveis vidas.
    E como se comportar sabendo que por mais que se queira, não se pode ter controle total sobre o que o outro deve viver ou efetivamente vive?
    Belo texto. Realmente, o humor com o qual consegues encarar estes empecilhos de tua vida...
    Como ainda sou apenas uma filha, não tenho muito o que te dizer além de te desejar boa sorte. rs...
    Beijos.
    Marcelly.

    ResponderExcluir
  6. passando por aqui tbém, e, voltarei sempre...adorei os textos, a enquete, seu blog... abçs!
    seguindo=D
    franck

    ResponderExcluir