sábado, 6 de abril de 2024

Acordei doido para mudar o país

 

Seated beardeb man, Roger de La Fresnaye, 1910


E se votássemos em partidos e não em pessoas… E se a cada eleição tivéssemos que votar sim ou não em questões do tipo: voto em lista, cotas (educacionais, partidárias, culturais…); liberação da maconha; aborto; taxação de grandes fortunas; imposto progressivo; educação pública universal e gratuita para todos e período integral de ensino; pagamento de impostos pelas igrejas; redução de partidos; reparação histórica aos negros e povos originários; transporte público gratuito; transparência das ações governamentais; desmilitarização das polícias; controle público do judiciário; profissionalização das forças armadas; fim do serviço militar obrigatório; serviço social facultativo; internet livre para todos; parlamento unicameral com representação proporcional à votação alcançada por partido em cada estado para discutir orçamento e questões de Estado; extinção de privilégios políticos; reforma agrária; renda mínima; salário-mínimo real compatível com o custo de vida; propriedade privada…?

Mas, após uma xícara de café, irrompeu pela casa adentro, com sua voz estridente, a minha manjada e rotineira sanidade a me avisar que estou atrasado, que a geladeira não se enche sozinha e do mesmo jeito que não existe almoço grátis, dinheiro não brota em árvore…

Num redemoinho de emoções, saio ao encontro do trânsito caótico cotidiano e, a oscilar entre a raiva e a melancolia, aguardo que um milagre venha me salvar do mundo e de mim mesmo.

Nenhum coach apareceu em meu socorro, o universo mais uma vez não conspirou a meu favor, não descobri o segredo de coisa nenhuma, já atentei contra minha vida umas trocentas vezes e eis que chego ao trabalho disposto a pedir demissão e dar um tapa na cara no chefe…

Mais um dia daqueles… arre! Passo o tempo sonhando em ganhar na loteria e me mandar para uma ilha deserta. Mas o lar me espera e após um miojo babado, bate aquele soninho, e sem alternativa, me lanço aos braços da minha doideira e durmo que nem um anjo… louco.


 

sábado, 30 de março de 2024

A carroça dos bonecos que viraram gente

 

Museu do Mamulengo em Glória do Goitá, Pernambuco


O empeleteiro chega e finca a placa “Mais uma obra Prakem” e dá ordens ao seu pessoal: - Arranquem aquela árvore... furem um poço aqui... vamos lá, precisamos tirar todo o sal antes desse lugar.

Zé massunin se aproxima e não gosta nadinha do que vê: - Opa, pera aí, que sucesso é esse? Assim num vai dá pra gente morar e muito menos viver por aqui…

O empeleteiro, do alto da sua arrogância, estala: - Se avexe, cabra… tô cumprindo ordem… é o progresso chegando neste fim de mundo… você devia botar as mãos pro céu… fique quieto que no fim vai sobrar um troco pra tu

O Zé, ofendido, retruca: - E eu lá homem de viver de migalha, sujeito. Direito é o que não me falta…

O empeleteiro, parte pra cima do zé: - Fale manso comigo, seu zé ninguém…

O Zé, destemido, enfrenta: - Senão o que… vai me expulsar daqui, vai me matar é?

O empeleteiro incha o peito: - Se ficar cheio de pantim te dou uma sova e mijo por riba.

O não se faz de rogado e manda a real: - Oxente, que ainda num nasceu vivente pra me fazer uma astúcia dessa… Só vai dar ruim pra tu, porque não tô sozinho… (Chama) Zé Preto, Chico Caboclo, Quinzinha da Mata, Tonica do Cipó… se acheguem que tem um metido a arroxado acabando com o nosso canto

O povo se junta e cerca o empeleteiro – Eita que é cum nós mesmo… Quem é o doido?

O empeleteiro se borra todo e fala pra si mesmo: - Vixe, meu santo padim, que a coisa fedeu… melhor apelar para a dona justa…

O povo enxota o empeleteiro rua afora: - Sai fora, capeta.

O empeleteiro corre desembestado mas ainda arrota ameaças: - Vocês vão ver só, vou levar o caso ao juiz, vou tomar conta de tudo e vocês terão que sair daqui, sem nada com uma mão na frente e outra atrás…

O povo segue na carreira sacudindo na cabeça do empeleteiro tudo que conseguem encontrar pelo caminho: Arreda, se manda, vá pros quintos dos infernos, mas antes pague pelo que foi destruído e nós queremos o preço justo em dinheiro vivo seu menino…?


 

sábado, 23 de março de 2024

Crônicas Pandêmicas 5

 

Survival of the Fattest, Jens Galschiot, 2002


A turma que subiu ao pódio da canalhice, por obra e graça da mesquinharia nacional, gastou saliva fedorenta propagando a existência de uma suposta caixa-preta do BNDES… Que era preciso abri-la e coisa e tal… Fizeram disto um cavalo de batalha e acabaram por contatar dois escritórios de investigadores internacionais para realizarem uma devassa em vários contratos do banco.

E o que encontraram? Nada, nadica de nada. Todos os contratos existentes foram firmados dentro da mais completa lisura.

E aí vem a bomba: Os sherlocks, após exaustivas pesquisas, apurações, raciocínios dedutivos, fala daqui, ouvi dali, confere isto, tica aquilo… produziram um relatório de 08 (OITO, eu disse oito, o-i-t-o, 5 mais 3, 6 mais 2, 4 mais 4, 7 mais 1… sacaram?) singelas páginas onde afirmam, em letras garrafais, não existir nenhum esqueleto dentro da caixa denominada preta (olha o racismo estrutural aí, gente) do BNDES.

Todo este vira-e-mexe custou ao nosso bolso nada mais nada menos que a ninharia de 48 milhões de reais – fatura que o Tribunal de Contas da União não consegue explicar nem com reza braba.

O Brasil, eternamente tutelado por sujeitos fantasiados de azeitona, elegeu uma camarilha de lunáticos, dementes, esquizofrênicos e psicopatas… E agora, sem choro nem vela, teve que morrer em 48 milhões de reais por 8 (OITO) páginas de papel sulfite tamanho A4 (que certamente se encontram esquecidas nalguma gaveta palaciana, se não foram jogadas em alguma lixeira).

Só no país tropical bonito por natureza é possível que gente desqualificada, desmoralizada e desacreditada torre dinheiro público para provar que são, de fato, desqualificados, desmoralizados e desacreditados.

Os nossos direitistas, covardes cooptados pela extrema, são mesmo uma piada: não fazem ideia de onde vivem e continuam com a cantilena propagada pelos verdes-azeitonas que se acham donos da nossa República, de que o Brasil jamais será vermelho.

Gente, este país nasceu escarlate… O nome que acabou na certidão de nascimento deste país continental onde moramos, trabalhamos, nutrimos esperanças e encontramos a cada esquina um fascista é Brasil, logismo que vem de brasa, vermelho… Vermelho tal qual a madeira que, nos primórdios da colonização, encheu o rabo de dinheiro dos ancestrais dessa gente que hoje se arrepia diante da cor do sangue derramado diuturnamente pra sustentar seus privilégios, prepotência, ganância e ignorância.

E chegou o carnaval… A nação brasileira se prepara para pular mais uma vez na chapa quente.

Antes que a polícia barbarize a bagaça, aguardo uma quarta-feira de cinzas a um minuto do fim do mundo.

Mas eis que o governo central, tomado de milicos até o talo, segue agitando o “f…-se” como estratégia política, certo de que conseguirá armar seus jagunços a tempo de tomar de assalto o poder, “dentro das quatro linhas da constituição”, é claro.

Enquanto isto, a grande mídia — comprada de manhã e vendida à tardinha, continua a anestesiar o povão com suas histórias fantásticas saídas dos miolos carcomidos de sujeitos cínicos muito bem pagos.

Mas, relaxa: é carnaval. O problema é que a nossa fantasia, além de esfarrapada, não inspira mais graça nenhuma.

Então, o negócio é encher a lata, azarar deus e todo mundo, reclamar dos trombadinhas e fingir diversão.

Se nem aqueles que faturam alto com esse estado de coisa, acreditam mais, porque continuamos a nos arrastar nessa avenida esburacada?

Talvez seja verdade que “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”, ou que “a alegria é a prova dos nove”… Mas a minha questão é: estamos deveras vivos?

Proponho uma reflexão: se esta nossa melancolia embalada de traumas e frustrações é de fato um componente alegórico do nosso samba, solicito a generosidade de considerarem a possibilidade de que, embora humanos na forma, no conteúdo não passamos de um amontoado de confete, serpentina e camisinha furada no meio de uma praça encharcada de mijo, lama, suor e lágrimas, rezando para que, algum dia, um alien se apresente para trocar umas ideias.