sábado, 23 de março de 2024

Crônicas Pandêmicas 5

 

Survival of the Fattest, Jens Galschiot, 2002


A turma que subiu ao pódio da canalhice, por obra e graça da mesquinharia nacional, gastou saliva fedorenta propagando a existência de uma suposta caixa-preta do BNDES… Que era preciso abri-la e coisa e tal… Fizeram disto um cavalo de batalha e acabaram por contatar dois escritórios de investigadores internacionais para realizarem uma devassa em vários contratos do banco.

E o que encontraram? Nada, nadica de nada. Todos os contratos existentes foram firmados dentro da mais completa lisura.

E aí vem a bomba: Os sherlocks, após exaustivas pesquisas, apurações, raciocínios dedutivos, fala daqui, ouvi dali, confere isto, tica aquilo… produziram um relatório de 08 (OITO, eu disse oito, o-i-t-o, 5 mais 3, 6 mais 2, 4 mais 4, 7 mais 1… sacaram?) singelas páginas onde afirmam, em letras garrafais, não existir nenhum esqueleto dentro da caixa denominada preta (olha o racismo estrutural aí, gente) do BNDES.

Todo este vira-e-mexe custou ao nosso bolso nada mais nada menos que a ninharia de 48 milhões de reais – fatura que o Tribunal de Contas da União não consegue explicar nem com reza braba.

O Brasil, eternamente tutelado por sujeitos fantasiados de azeitona, elegeu uma camarilha de lunáticos, dementes, esquizofrênicos e psicopatas… E agora, sem choro nem vela, teve que morrer em 48 milhões de reais por 8 (OITO) páginas de papel sulfite tamanho A4 (que certamente se encontram esquecidas nalguma gaveta palaciana, se não foram jogadas em alguma lixeira).

Só no país tropical bonito por natureza é possível que gente desqualificada, desmoralizada e desacreditada torre dinheiro público para provar que são, de fato, desqualificados, desmoralizados e desacreditados.

Os nossos direitistas, covardes cooptados pela extrema, são mesmo uma piada: não fazem ideia de onde vivem e continuam com a cantilena propagada pelos verdes-azeitonas que se acham donos da nossa República, de que o Brasil jamais será vermelho.

Gente, este país nasceu escarlate… O nome que acabou na certidão de nascimento deste país continental onde moramos, trabalhamos, nutrimos esperanças e encontramos a cada esquina um fascista é Brasil, logismo que vem de brasa, vermelho… Vermelho tal qual a madeira que, nos primórdios da colonização, encheu o rabo de dinheiro dos ancestrais dessa gente que hoje se arrepia diante da cor do sangue derramado diuturnamente pra sustentar seus privilégios, prepotência, ganância e ignorância.

E chegou o carnaval… A nação brasileira se prepara para pular mais uma vez na chapa quente.

Antes que a polícia barbarize a bagaça, aguardo uma quarta-feira de cinzas a um minuto do fim do mundo.

Mas eis que o governo central, tomado de milicos até o talo, segue agitando o “f…-se” como estratégia política, certo de que conseguirá armar seus jagunços a tempo de tomar de assalto o poder, “dentro das quatro linhas da constituição”, é claro.

Enquanto isto, a grande mídia — comprada de manhã e vendida à tardinha, continua a anestesiar o povão com suas histórias fantásticas saídas dos miolos carcomidos de sujeitos cínicos muito bem pagos.

Mas, relaxa: é carnaval. O problema é que a nossa fantasia, além de esfarrapada, não inspira mais graça nenhuma.

Então, o negócio é encher a lata, azarar deus e todo mundo, reclamar dos trombadinhas e fingir diversão.

Se nem aqueles que faturam alto com esse estado de coisa, acreditam mais, porque continuamos a nos arrastar nessa avenida esburacada?

Talvez seja verdade que “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”, ou que “a alegria é a prova dos nove”… Mas a minha questão é: estamos deveras vivos?

Proponho uma reflexão: se esta nossa melancolia embalada de traumas e frustrações é de fato um componente alegórico do nosso samba, solicito a generosidade de considerarem a possibilidade de que, embora humanos na forma, no conteúdo não passamos de um amontoado de confete, serpentina e camisinha furada no meio de uma praça encharcada de mijo, lama, suor e lágrimas, rezando para que, algum dia, um alien se apresente para trocar umas ideias.


 

sábado, 16 de março de 2024

o jogo

 

Os Jogadores de Cartas, Paul Cézanne, 1896


na primeira: instinto

na segunda: análise

na terceira: escolhas

 

aprendo que,

se não ganho de prima

a consciência se vê impelida

a abrir o rol das possibilidades


o problema é que talvez

adiante

seremos lembrados de que

a cada passo

as ações se desvalorizam e

o prêmio passa a valer cada vez menos

nos transformando em devedores de tempo

e ganhadores de nada


 

sexta-feira, 8 de março de 2024

em dia de mulher

 

A Mulher, o Homem e a Serpente, Byam Shaw, 1914


esse negócio de dizer

que mulher é uma incógnita

é papo de quem não sabe

ou não quer

agradá-la…


o orgasmo feminino

tem sido lugar de fala das lésbicas

(alegam saber fazer uma mulher “chorar”

no mínimo, umas dez vezes

numa única vez)… mas


existem homens capazes

de entendê-las e amá-las

senão o Kama Sutra

será uma obra de perversão

e não um tratado de sabedoria


a mulher nunca foi mistério

prá seu ninguém

sempre esteve aí, à flor da pele

de quem articular

um singelo

descansa tua cabecinha no meu ombro e chora”

diante da dúvida, do medo

da incerteza, da desconfiança, das cólicas…


senta pra ouvir o diário sangramento

mesmo quando não sangra, porque

a mulher sangra, caríssimo!

e quando não sangra está servindo de morada...

 

e não me venham dizer

que a mulher não tem o direito de expulsar

o indesejável ou a raiz de uma invasão agressiva…


daí quando a mulher

maternalmente

nos aplica uma rasteira

um safanão

um pescoção

uma palmada pela malcriação

choremos sem vergonha

na volta por cima

porque sem a mulher

nós, machos, cabras de peia

faríamos parte

do planetário bando de bobões,

coletivo de ninguéns

zé-manés atoa, babões sem eira nem beira

a implorar por aquele cheirinho gostoso

que nos atiça o desejo de vestir suas calcinhas