sábado, 14 de maio de 2022

paradoxos nacionais: um roteiro da iniquidade

Portrait of Arman Frantsevich Aziber and his son
Pavel Filonov, 1915


1. Uma governadora, diante de uma crise monstro no sistema penitenciário do seu estado, lança um edital para compra de lagosta e champanhe para o cerimonial do palácio no mesmo dia em que impede a entrada da comissão de direitos humanos no presídio onde a degola corre solta.

 

2. Um secretário de governo de um importante estado brasileiro, acusado de receber propina de empresas que atuavam na construção e manutenção do metrô, permanece no cargo a pedido do governador que precisa, politicamente, de uma aceleração dos projetos.


3. Um dos donos de uma famosa rede de televisão, cuja fortuna é estimada em 8 bilhões de dólares, disse publicamente, em editorial no jornal do seu grupo, que é preciso colocar “travas” nos reajustes do salário-mínimo por considerá-lo inflacionário.


4. Um juiz da suprema corte, acusado de manter capangas na sua fazenda e de custear com verbas públicas cursos para protegidos na faculdade onde é sócio proprietário, concede dois habeas corpus e um guarda-chuva de proteção jurídica a um banqueiro, condenado em primeira instância, sob alegação de que o processo possui vicio de origem.


5. Político, flagrado em relações íntimas com um chefe de crime organizado, desfruta no estrangeiro, nas festas de final de ano, das delícias que o dinheiro pode proporcionar, livre, leve e solto e muito bem acompanhado.


6. Um dos presidentes do senado faz várias viagens em avião da força aérea, para fazer implante capilar. Descoberto, alega ignorância das normas (pela enésima vez).


7. No mesmo presídio em que sentenciados ao regime semiaberto cumprem pena no fechado, um tetraplégico amarga condenação por tráfico de drogas, por que a polícia encontrou um baseado no seu quarto.


8. Ao fazer um balanço das atividades do conselho nacional de justiça, o presidente da entidade foi enfático: “Cabe a nós, juízes, advogados, promotores, professores e estudantes, manter o empenho constante para tornar o Judiciário mais célere e fazer com que o acesso à Justiça seja, sobretudo, justo e seguro”. No que foi ovacionado pelos presentes pelas belas e sábias palavras.


9. Uma empresa acusada de promover pirâmide financeira, cujos bens dos sócios se encontram indisponíveis, continua patrocinando time carioca.


10. Numa padaria, um desembargador xinga policiais de cagões por se recusarem a prender um cliente que defendeu um garçom que, ao desconhecer com quem estava falando, não lhe obsequiou atendimento preferencial, cerimonioso e servil.


n”…


sábado, 7 de maio de 2022

por dever basta boleto

 

5inco, Alberto Pereira, 2019


gosto muito de relógio

mas gosto mais de contrariá-lo.

antes, no meu tempo de criança, os odiava:

queria dormir,

ficar na cama depois de acordar

era o maior dos prazeres…


hoje não,

se a vida me joga fora da cama bem mais cedo,

aprendi a gostar do passar das horas

(amo as manhãs e as noites

as tardes me entristecem

e as madrugadas me estremecem)

aproveito o tempo

olho a rua

vejo o dia

distingo cada ruído atrevido

a competir com o tagarelar das maritacas…

qual a formato daquela nuvem?

sopra o vento para onde?

os ramos das árvores oscilam mansos

verde dançante que não sai do lugar

(diferente do que explodiu nos meus olhos

em João Pessoa, a doer em mim que

vindo de fora, viu verde pela primeira vez)…


ao encontrar tempo e motivo para ser velho

e babão (choro por qualquer besteira)

confesso: bem melhor é viver

infinitos instantes.



sábado, 30 de abril de 2022

pétalas e plumas

 

The Spring, Walter Crane, 1883




Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas”

Ezra Pound, E Assim em Nínive





sou poeta,

bebo vinho,

saúdo a vida

e clamo a ti, fulana:

quando eu morrer

espalhe pétalas e plumas sobre a terra

para aqueles que ainda caminham

pisem suave

sobre o efêmero lar