sábado, 5 de abril de 2025

entre o agora e o nunca

 

Músico, Thiago Boecan, 2018



no blue desse tédio

abacaxi de caroço

rosna um carro dentado

a flutuar na rua de ninguém

(petróleo, fuligem

óleos, passos metálicos

e cobras elétricas enroscadas em postes…)

à margem, coqueiros

suspiram folhas

e frutos vadios

tal qual

uma sacola vazia

de supermercado

tangida

o olhar amarelo

do semáforo pisca vigilante

entre o agora e o nunca

uma moeda de sangue

é cuspida na face inútil

duma rosa de plástico

plantada sobre a geladeira

um espelho estala na sala

meu coração improvisado

exala arpejos

a tatear canções 

 


sábado, 29 de março de 2025

canção em meio ao caos

Colagem, Mister Blick, sem data


dizem por aí

em prosa e verso

após uma batalha de amor

o guerreiro vigorado

torna à guerra renomado

com redobrado ardor


eu, logo amáramos

desejo apenas dormir

no sonho fruir da poesia

(uma quadrinha que seja)

abraçar a eternidade

versejar em meio ao caos


dona, graça tal me cedes

por este amor, me enlaça

pois se me caça a guerra

apresso o verso opresso

faço da alegria bandeira 

da nossa cama trincheira


 

sábado, 22 de março de 2025

O algoritmo

 

Máquina Imaginária, Rodrigo Goda, 2003


Quando a faísca levitou, no centro da fogueira, em torno da qual estavam reunidos os mais fortes primatas comedores de carne de búfalo, sentados para encontrar um jeito de conseguir comida no dia seguinte e ao mesmo tempo proteger a tribo dos ataques dos vizinhos comedores de carne de bisonte…

Imediatamente entraram em transe ao ouvirem a voz amarelo cintilante riscar no ar meia dúzia de sons e sinais em contraste com as estrelas distantes…

Um espanto, uma revelação, uma traquitana, uma gambiarra que bem ajudaria no enfrentamento das dificuldades diárias dos crentes no último prodígio…

Aquele que duvidou e ousou desacreditar, coitado, foi ali mesmo despedaçado e oferecido ao fogo que nutre, anima e numa apressada corrida, risca o céu noturno tal qual um véu dourado a cobrir os territórios vizinhos provavelmente para encher de porrada e depois estorricar os corpos dos inimigos… Urra!

Gargalharam e se regozijaram numa dança de coreografia improvisada enquanto ao mais crédulo de todos, um sujeitinho que tinha de músculos o tinha de mediocridade e estupidez, ocorreu galgar uma pedra que jazia a tempos ali perto e sonhar um sonho longínquo e ver o futuro construído a partir daquela centelha... 

Uma fagulha a comandar e dar sentido a essa extravagância denominada Vida onde existimos, nós, aspectos do sonho sonhado por aquele sonhador remoto, envolvidos por sedutoras miragens criadas pela geringonça que congrega todo o conhecimento do Universo apta a responder a toda e qualquer questão que se tenha a respeito da Existência, protegida por uma seleta, rica, bonita e bem vestida irmandade responsável por manter acesa a chama que arde no seu ventre de metal e luz, no fim do arco íris, paralela à via dos tijolos amarelos, até que tudo se cumpra e outra mais aperfeiçoada engenhoca seja construída e um algoritmo guie cada primata comedor de carne ao seu devido lugar sem nunca meter o bedelho onde não é chamado porque Deus disse assim e ponto final.