Velho Triste no Portão da Eternidade, Vicent Van Gogh, 1890
1.
E
naquela noite, o velho senhor deitou-se mais cedo.
E
logo acercou-se uma voz íntima que chorava.
O
velho quis interrogá-la, saber sua história mas, a voz não dizia,
não falava… Só chorava.
O
velho sentiu que deveria descobrir o que aquele choro escondia.
Acostumado,
andou e andou… Atravessou oceanos, escalou montanhas, desceu
através de vales e, para seu espanto, jamais saiu de diante da sua
própria cama… E só então pode perceber que era de seus lábios
que nascia aquela voz que chorava.
2.
Decidido
a dormir, o velho senhor, naquela noite tapou os ouvidos e conseguiu
alcançar um sono profundo.
E
naquela condição sem sonho ouviu a voz, ouviu o choro que vinha do
fundo de si mesmo.
E
sem que fizesse qualquer movimento viu uma criança que nascia.
Aparou-a
com suas mãos, aconchegou-a em seus braços e percebeu que ambos
gemiam e souberam ali, sem que ninguém lhes dissessem, que a dor é
a condição de existir. A dor é o próprio existir. E, seus olhos
de criança despertaram num alegre acalanto.
3.
E
o velho habitou a voz
E
a voz habitava o mundo
E
o velho era o mundo
E
o mundo era dor
E
o mundo era velho
E
viu que além da dor
Além
do medo
Além
da noite
Havia-lhe
nascido
Um
poema…
O
velho enfim sorriu
Qual
nunca chorara antes.