o dia bebe
e escreve
poemas
a embriaguez
inventa
lúcido,
viver é insano
e pode
acabar amanhã
mas e daí
se disfarço
e faço de conta
que o desatino
é um gesto teatral
o dia bebe
e escreve
poemas
a embriaguez
inventa
lúcido,
viver é insano
e pode
acabar amanhã
mas e daí
se disfarço
e faço de conta
que o desatino
é um gesto teatral
acordei passarinho
– mortinho da silva
disse oi a um parente que, em sofrência, desbrilha – argh
um transeunte jogou escuridão no meu rosto - aff
o pessoal do vila botou a viola no saco e, eita
a vida me acertou…
morro, mas não morro em vão
sigo as partículas,
migalhas camufladas do fantasma atômico
que me criei
para atravessar paredes
no rastro da ilha
do outro lado
da sala
a dúvida é
eternizo, desapareço ou fico?
daí, acordo… passarinho
morto da silva
na hora da minha morte
os ponteiros dos relógios
desistirão de perseguir a rotina
e ficarei a mercê do nada
...
na minha inocência de criança
pai é aquele que afugenta
o monstro debaixo da cama
enquanto a mãe constrói o futuro
...
o animal humano
amontoado de carências
inseguranças e incertezas
costuma morder
...
amor,
não me acorde amanhã
não quero sentir saudade
do que vivemos hoje
uma vez disse a um amigo
que não suportaria
um ente querido morrer antes de mim,
sofreria muito,
preferiria ir primeiro…
ele, espantado, me olhou nos olhos e respondeu:
– que pensamento egoísta
pois desejo ser o último a partir
quero que, enquanto puder,
na última despedida dos meus
seja minha a mão a dizer adeus
demorei para compreender essa lógica
mas ponderei: - já pensou?
quando me apartar
em vez de solidão e vazio
ser saudado por todos
que, alegre, saudamos no partir
e este passou a ser o meu mantra
não me preocupar com a partida
afinal – eis o meu conforto
imaginar que há sempre alguém a nos saudar e honrar
não trato aqui de religião
não frequento culto
tampouco trabalho para erguer igrejas
apenas me presto a encontrar amigos
no sagrado templo eventual de um bar
onde, naturais, fazemos libações
cantamos a existência
e saudamos a viva alegria de ainda estarmos aqui
a testificar um instante
um tantinho de memória
uma nesga de lembrança
na santidade dos amados que partiram
sem jamais mencionarmos que morreram
por isto, digo: no dia em que me for
por favor, camaradas, façam alarde
se enfeitem, cantem, dancem,
comam, bebam, gargalhem
dêem vivas, gritem hurra
vossa alegria há de expurgar os meus defeitos
e fazer germinar virtudes
jamais sonhadas
pois eu, átomo,
invisível e silencioso
ao me juntar à vastidão do universo
serei mais ínfimo do que sou agora
“Sim!
Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar
pétalas de rosas”
Ezra Pound, E Assim em Nínive
sou poeta,
bebo vinho,
saúdo a vida
e clamo a ti, fulana:
quando eu morrer
espalhe pétalas e plumas sobre a terra
para aqueles que ainda caminham
pisem suave
sobre o efêmero lar
Partiria. Atenderia ao chamado, decidiu.
Que o esperasse, com uma torta de frango sobre a mesa, pediu e jurou, diante dos olhos tristes da mulher, que retornaria assim que o conflito terminasse.
A ela (enquanto ajudava na arrumação da mochila) ocorreu que o caos não duraria para sempre…
Até riu, e contentou-se, tudo passa, fixou!
Mas o esperado demorou…
E o tempo, implacável, se sucedeu em opressiva inutilidade.
Então, as mãos cansaram, os seios murcharam… os dentes caíram até…
Numa desavisada manhã, sem que nenhum estrídulo de sirene arranhasse o ar, a própria esperança se extinguiu e o relógio cessou a vigília.
O que era vivo faleceu e o que tinha perecido insistia em viver.
Enfardado de cicatrizes e remorsos, o maltrapilho homem cruzou o vão da porta morta.
Automática, a vista perscrutou a sala fúnebre e ao sentar-se à mesa defunta sentiu que o abandono era sua única companhia.
E ali, habituado ao vazio conquistado, compreendeu que morrera no instante em que partira.
Lá fora, a guerra zurrava.