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sábado, 11 de janeiro de 2025

Uma história, três narrativas

Velho Triste no Portão da Eternidade, Vicent Van Gogh, 1890


1.

E naquela noite, o velho senhor deitou-se mais cedo.

E logo acercou-se uma voz íntima que chorava.

O velho quis interrogá-la, saber sua história mas, a voz não dizia, não falava… Só chorava.

O velho sentiu que deveria descobrir o que aquele choro escondia.

Acostumado, andou e andou… Atravessou oceanos, escalou montanhas, desceu através de vales e, para seu espanto, jamais saiu de diante da sua própria cama… E só então pode perceber que era de seus lábios que nascia aquela voz que chorava.


2.

Decidido a dormir, o velho senhor, naquela noite tapou os ouvidos e conseguiu alcançar um sono profundo.

E naquela condição sem sonho ouviu a voz, ouviu o choro que vinha do fundo de si mesmo.

E sem que fizesse qualquer movimento viu uma criança que nascia.

Aparou-a com suas mãos, aconchegou-a em seus braços e percebeu que ambos gemiam e souberam ali, sem que ninguém lhes dissessem, que a dor é a condição de existir. A dor é o próprio existir. E, seus olhos de criança despertaram num alegre acalanto.


3.

E o velho habitou a voz

E a voz habitava o mundo

E o velho era o mundo

E o mundo era dor

E o mundo era velho

E viu que além da dor

Além do medo

Além da noite

Havia-lhe nascido

Um poema…

O velho enfim sorriu

Qual nunca chorara antes.


 

sábado, 7 de maio de 2022

por dever basta boleto

 

5inco, Alberto Pereira, 2019


gosto muito de relógio

mas gosto mais de contrariá-lo.

antes, no meu tempo de criança, os odiava:

queria dormir,

ficar na cama depois de acordar

era o maior dos prazeres…


hoje não,

se a vida me joga fora da cama bem mais cedo,

aprendi a gostar do passar das horas

(amo as manhãs e as noites

as tardes me entristecem

e as madrugadas me estremecem)

aproveito o tempo

olho a rua

vejo o dia

distingo cada ruído atrevido

a competir com o tagarelar das maritacas…

qual a formato daquela nuvem?

sopra o vento para onde?

os ramos das árvores oscilam mansos

verde dançante que não sai do lugar

(diferente do que explodiu nos meus olhos

em João Pessoa, a doer em mim que

vindo de fora, viu verde pela primeira vez)…


ao encontrar tempo e motivo para ser velho

e babão (choro por qualquer besteira)

confesso: bem melhor é viver

infinitos instantes.



sábado, 22 de janeiro de 2022

composição 2

 




Google Imagens



não me apetece a velhice

mas imortal não posso ser

se não sei da missa um terço


e sendo toda ideia invenção

vou zerar tudo que aprendi

e fadado a ter que partir

me arrepia a eterna escuridão



sábado, 3 de abril de 2021

o velho medo da rejeição

 

The Rejected Lower, Oskar Kokoschka, 1966




fiquei velho

corpo dolorido

músculos entrevados

(as articulações já não respondem que nem antes)…



tudo em mim busca repouso

e pior:

impossível dormir mais que 4 horas por noite


fiquei velho

e nesta corrida rumo ao esquecimento

me resta imaginar

fazer de conta

que nasci ontem

quando sonhei

com aquela paixão antiga

inalcançável

e, finalmente,

consegui me aproximar

e abraçá-la

com seu total consentimento


fiquei velho, mas creio que

ainda há tempo

para pedir uma dança

à mais bela do baile

sem medo da rejeição