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sábado, 11 de outubro de 2025

crônica de um tempo perdido

 

Léon Bazille Perrault, O combate das crianças, 1889



3 coisas que não consigo provar:

inexistência de deus

imortalidade da alma

vida após a morte


no entanto, meu vizinho consegue,

com o auxilio da força bruta,

enfiar pela minha goela abaixo

seus argumentos de fé


para evitar

que atinja o limite da cólera

e me machuque ainda mais

digo sim!

existe uma divindade absoluta

em um reino metafísico

acima das nuvens

que me ama


(e?)


se for um bom menino

quando morrer

irei passar a eternidade

a contemplar sua glória


(e?)


porém, se pisar na bola

queimarei para sempre

no fogo de um inferno

exclusivo, amém?


recolheu suas armas

fez sinal que estava de olho em mim

e foi almoçar em família,

ele e seu vaso biônico


mostrei-lhe o dedo

dei-lhe banana

apresentei-lhe meus culhões

e acabei por descobrir

que não existe reencarnação:


o velho Buda, liberto

acaba de sussurrar ao meu ouvido

que se não for aqui

será agora


corri para assistir,

no streaming mais próximo,

ao tiroteio no ok curral


 

sábado, 23 de novembro de 2024

Uma fábula anônima, digna do Borges

 

Imagem IA, Night Café


Assim que morreu, Juan encontrou-se num belíssimo lugar, rodeado pelo conforto e beleza que sonhara. Um sujeito vestido de branco aproximou-se:

Você tem direito ao que quiser, qualquer alimento, prazer, diversão…

Encantado, Juan fez tudo que havia sonhado fazer durante a vida. Depois de muitos anos de prazeres, procurou o sujeito de branco:

Já experimentei o que tinha vontade. Preciso agora de um trabalho, para me sentir útil.

Sinto muito, disse o sujeito de branco, mas esta é a única coisa que não posso conseguir. Aqui não há trabalho.

Que terrível, disse Juan, passar a eternidade morrendo de tédio. Preferia mil vezes estar no inferno.

O homem de branco aproximou-se e disse em voz baixa:

E onde o senhor pensa que está?


 

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Síndrome de Bentinho

 

Atrás da cabeça, Argishti Mesropyan, 2019


Moribundo, agarrado na mão do filho, não consegue evitar o pensamento que o persegue desde sempre: “fruto meu, resultado da minha união com uma infiel dissimulada de olhos oblíquos, tu és gay, pois não?!”

E mirou a filha: “Quanto a ti, minha filha, flagrada em indecências com outra garota… bem, talvez venha a me dar alguma alegria… menina arretada, sim senhor.

E acordou no 8º círculo do inferno dantesco. "Era gay, não tenho dúvida". 




sábado, 29 de abril de 2023

Uma fábula anônima, digna do Borges

 

Sísifo, Marcus Perez, 2010


Assim que morreu, Juan encontrou-se num belíssimo lugar, rodeado pelo conforto e beleza que sonhava. Um sujeito vestido de branco aproximou-se:

- Você tem direito ao que quiser, qualquer alimento, prazer, diversão...

Encantado, Juan fez tudo que havia sonhado fazer durante a vida. Depois de muitos anos de prazeres, procurou o sujeito de branco:

- Já experimentei o que tinha vontade. Preciso agora de um trabalho, para me sentir útil.

- Sinto muito, disse o sujeito de branco, mas esta é a única coisa que não posso conseguir. Aqui não há trabalho.

- Que terrível, disse Juan, passar a eternidade morrendo de tédio. Preferia mil vezes estar no inferno.

O homem de branco aproximou-se e disse em voz baixa:

- E onde o senhor pensa que está?


(Edição 52 – Guerreiro da Luz Online, by Paulo Coelho)

sábado, 5 de fevereiro de 2022

paraíso cruel

 

The Marriage of Heaven and Hell, Keith Haring, 1984


moro num país onde se rouba,

violenta, estupra, tortura, mata,

sonega, saqueia, odeia, difama

desmanda, distorce, explora,

manipula,

escraviza…


e depois exige (talvez até compre)

o perdão de deus


quanto sangue inocente

é preciso

para zerar tantos pecados?


vergonha, remorso, arrependimento…

definitivamente

não fazem parte do nosso portfólio.