sábado, 14 de junho de 2025

filho bastardo de cowboy hollywoodiano

 

Imagem gerada pelo Google Gemini


descendente de bandeirantes

capitães do mato, milicos, jagunços

milicianos high-techs, políticos de bolso

(com um livro de phantasmagorias

debaixo do braço)

crentes pragmáticos na divindade,

na pátria e na liberdade de expressar

que todo dia é dia de branco

e na festa no ap

vai ter sofrência pop e petiscos

servidos em baixelas de prata

do que sobrou do lombo dos negros

índios, pobres e periféricos


traficantes da fé alheia, coaches e influencers,

a soldo de casas de apostas aliciam

nubentes veteranas movidas a botox

para acasalarem com bons meninos de chicago

e conceberem in vitro

mais uma receita para estufar o bolo


incensados por animadores de auditório

nas tardes entorpecidas de domingo

um terço da população, inflada de patriotismo,

bate continência à entidade que empreende

mais um inferno ultramoderno

importado do vale do cilício

criado sob medida para os outros


ai de mim,

ai de ti,

ai de nós!


 

sábado, 7 de junho de 2025

Saída à Direita

 

Charge de Izanio Façanha, publicada na Coluna Esplanada (DF)

Com a colaboração do meu ghostwriter “Garganta Profunda” 

 

Era uma vez um alguém que pregava Lei e Ordem certo de que regras são como sardinhas: ótimas para os outros, mas ele mesmo jamais se sujeitaria ao cheiro.

Ah, os defensores da lei e da moralidade… até a lei chegar neles.

A mesma voz que estrondava “bandido bom é bandido morto” agora embarca, num avião da Patriot Escape Airline, rumo a um autoexílio regado a pix da malta — aqueles que babam por justiça seletiva e amam inventar malabarismos mentais para chamar covardia de heroísmo.

Porque o fascistoide de estimação nunca aceita o jogo quando perde. Se a democracia o condena, a democracia é “um erro”. Se a Justiça o alcança, a Justiça é “esquerdista”. Se a fuga é a única opção, então “Deus quis assim”.

Quando a Justiça — aquela entidade teimosa que insiste em funcionar de vez em quando — condenou “maria ninguém” a dez anos de prisão, ela não hesitou: “por que cumprir a lei quando posso criticá-la em live no interior dum apartamento de luxo emprestado por um bilionário, nos confins da velha Miami de guerra”?

Seus seguidores, é claro, logo encontraram explicações dignas de roteiro de filme B: “Está em exílio político, missão diplomática”.

E lá se vai ela, de mala cheia e princípios vazios, para uma terra de promissão e impunidade — porque patriotismo, no fim das contas, sempre foi só um disfarce para “minha vantagem primeiro”.

Enquanto isso, seus colegas de parlamento continuavam a votar leis “antifuga de criminosos” — uma ironia que, se for tempero, certamente estragará o feijão.

E o gado aplaude: “Coitada, vítima do sistema!” O mesmo sistema que ela jurou combater, até ele começar a funcionar.

A “maria ninguém”, agora “vítima ativista” internacional, posta fotos sorridente no seu “exílio”, enquanto condena “a ditadura da toga que assola o Brasil a soldo do comunismo. O detalhe? Seu visto era de investidora — porque nada combina mais com patriotismo do que converter dinheiro público em passaporte dourado.

Moral da história: Se a Justiça bater à sua porta, tenha um aeroporto de reserva. E, se possível, chame isso de “resistência”. Funciona.



sábado, 31 de maio de 2025

Considerações Finais

 

Limpando a prataria, Armando Vianna, 1923


Não me perguntem quem fez a denúncia. Talvez alguém da casa, parente, vizinho – alguém com a consciência dolorida. Talvez alguém ferido em seus interesses ou sentimentos e, por isso mesmo, tenha aflorado, em si, desejos de vingança. Bem, pouco importa.

O fato é que agentes do Ministério do Trabalho, devidamente acompanhados por policiais militares, num certo dia, tocaram a campainha da casa de número 1500 de uma das alamedas mais limpa, bonita e cheirosa do condomínio Mirante dos Pavões e esfregaram na cara dos donos (uma dupla de profissionais liberais com raízes fincadas em velhos e decadentes cafezais) um mandado de libertação da doméstica Osmarina Dias dos Santos, mantida em situação de trabalho escravo por quarenta e oito anos.

Cheguei aqui com 13 anos… lavava, passava, cozinhava, arrumava a casa e cuidava das crianças… cuidei dos pais, dos filhos, dos netos e agora cuidava de um bisneto… três gerações foram alimentados com o leite dos meus peitos e até hoje o suor do meu rosto e o cansaço das minhas pernas e braços sustentaram esta família das 5 da manha até às 10, 11 horas da noite… quando os patrões iam pras festas eu não dormia, tinha que ficar acordada até eles chegarem e aí emendava… tinha que preparar o café da manhã, o lanche pras crianças levarem à escola, o almoço e nessa pisada ficava acordada mais de um dia… não saía, não passeava, não tive filhos, nunca mais soube dos meus parentes, cheguei até esquecer o meu nome porque aqui todos só me chamam de “preta”… acabei me acostumando sob a promessa de que um dia me levarem para conhecer a Disney… jamais pensei que poderia viver a minha própria vida”.

Ali mesmo na sala de estar, largamente decorada com motivos coloniais, dois agentes calcularam os valores devidos à vítima. O total da indenização, mais multas e juros, permitiria que ela vivesse, com folga, o restante dos seus dias onde quer que fosse. Outros dois não tiveram qualquer dúvida ao enquadrarem a família no artigo 149 do Código Penal e solicitarem o arresto dos bens do casal para cobrir todos os encargos devidos.

Os olhares do casal fuzilaram Osmarina com granadas de concussão e imaginaram rupturas de tímpanos e hemorragia cerebral seguidos do espalhamento dos membros e órgãos pelas ruas da cidade sendo esmagados pelos pneus do impassíveis automóveis cujos proprietários solicitariam, do poder público, compensação financeira pelos danos sofridos à propriedade privada.

No dia da audiência, o juiz, antes do bater o martelo e sentenciar aquela família temente a Deus a oito anos de prisão, além do pagamento de tudo que deviam à doméstica, cedeu a palavra à vítima para que fizesse suas considerações finais.

A moça foi de uma parcimônia exemplar: “Queria apenas que eles me agradecessem por tudo que fiz”.

E eu, que acompanhei tudo isto perplexo, com uma tremenda dor de estômago, pensei: “Osmarina será algum dia livre de fato”?