sábado, 8 de novembro de 2025

Quando foi a última vez que você?...

 

Google Gemini




- Tomou um banho de mar

- Sentou debaixo de uma cachoeira

- Conversou com um estranho

- Andou descalço na grama

- Deitou na areia do mar

- Escreveu um poema para um filho

- Prestou atenção no canto dos pássaros

- Contemplou o luar

- Bateu papo com uma criança

- Conversou com uma flor

- Cantarolou uma canção no banho

- Apreciou a alvorada

- Aplaudiu um crespúsculo

- Abraçou uma árvore

- Ficou tocado ao ler um livro

- Sentiu o cheiro de terra molhada

- Chorou na exibição de um filme

- Sentou sob a sombra de uma árvore

- Olhou para céu numa noite estrelada

- Fez perguntas e não aguardou respostas...

- Quando foi a última vez que você olhou à sua volta, não criticou nem corrigiu nada, pelo contrário, sentiu-se familiar a tudo e riu um sorriso tímido, mesmo que de canto de boca para ninguém estranhar a sua felicidade e guardar pra si a sensação de estar de bem com o universo, com o mundo e consigo mesmo?


 

sábado, 1 de novembro de 2025

Adoro uma encrenca... dramatúrgica

 

 Edipo e a Esfinge, Gustave Moreau, 1864

 

Quem não gosta de ler um conto, romance, assistir a peça de teatro, um filme ou capítulo de série, cujo roteiro apresenta uma boa encrenca a ser resolvida?

Considero o momento mais prazeroso de uma obra literária ou cinematográfica quando vejo o protagonista envolvido numa situação conflituosa aparentemente sem solução - beco sem saída, poço sem fundo.

É aqui onde me sinto chamado a participar da obra. É aqui onde sou chamado à razão pois, após ter sido envolvido emocionalmente, preciso pensar numa saída.

E quando meu raciocínio se encontra com o raciocínio do autor, sou invadido pela sensação de que minha criatividade e inteligência me capacita a enfrentar os piores reveses.

Sinto que nestes momentos de fruição artística me torno apto para, sob qualquer ameaça, ser capaz de sobreviver e sair da encrenca, um pouco mais potente, pronto para novos desafios.

Mas esta sacada levou tempo para ser maturada. Ainda sou do tempo onde se acreditava no "deus ex machina", na solução que surgia, não sabia bem de onde, e que acabava por atribuir à intervenção divina.

Cresci, aprendi um pouco mais sobre a natureza humana. Ainda hoje observo obras com soluções aleatórias, ao acaso, mágicas... e tem aquelas que recorrem à soluções ideológicas... mas aprendi que a obra de arte não deve mais refletir apenas um aspecto do ser humano, mas a sua complexidade.

Ser complexo, para mim, significa convocar o outro para participar da criação, ativamente, visto que a obra de arte não é, apenas um produto da inquietação individual mas resultado da consciência coletiva que nos projeta além do eu.

Embora existam autores, os verdadeiros encrenqueiros, que insistem no seu ponto de vista e que impede a participação na obra além do que eles próprios propõem. O que reforça a ideia de que o mistério é o que existe de mais atraente.


 

sábado, 25 de outubro de 2025

Madame Nanã



Google Gemini

Em uma Ilhéus envelhecida no tempo a sofrer já de certo banzo, um burburinho corria solto na Avenida Itabuna. A fachada discreta de um bangalô, pintado de verde-oliva, escondia o que a “seu ninguém” se revelava. Pertencia a Madame Nanã, cuja voz mansa e firme comandava um segredo que poucos conheciam.

Quem tomava conta da casa era a irmã, baixinha de riso fácil e gaitada sincera. No quintal, uma fonte de água salgada decorada com uma escultura de sereia. Os dois filhos de Nanã, que estudavam em Itabuna e vinham passar férias com a tia, entre uma traquinagem e outra – por exemplo, me jogar dentro de um caixote cheio de carvão para que perdesse um pouco da minha alvura e alcançasse a morenidade que nem eles, me contaram que Iemanjá vinha ali sentar-se para pentear os cabelos. Numa noite em que tive a felicidade de dormir por lá, um tanto assustado com os espelhos que adornavam as laterais de uma penteadeira que ficava aos pés da cama e multiplicavam o meu rosto de menino, fiquei deitado segurando o sono. Quando o relógio da sala bateu meia noite, corri até a fechadura da porta que levava ao quintal para comprovar a história que tanto me fascinava. Adormeci frustrado: Iemanjá não apareceu. Repeti o gesto mais umas duas outras vezes mas, para minha decepção, não pude constatar a veracidade da história. Mas o que posso afirmar é que, adiante da fonte, havia uma fileira de quartinhos, onde perfumadas pelos incensos de jasmim, neófitas, futuras iaôs, “faziam a cabeça”.

Jamais diria que Madame Nanã usava essa meninas para satisfazer os caprichos dos coronéis da região mas o que todos sabiam era que ela comandava, na década de 50, um cabaré no centro da cidade, pertinho da Catedral de São Jorge.

A morena Nanã havia chegado em Ilhéus fugindo da miséria do sertão sergipano, trazendo consigo a força de seus orixás. Ao contrário do que muitos pensavam, o dinheiro do negócio do cabaré não era para luxo pessoal, mas sim para sustentar a tradição e manter os roncós no quintal mágico do bangalô na Avenida Itabuna que servia como metáfora da própria vida da cidade: de um lado, a fachada de uma moralidade rígida, católica; do outro, o segredo da noite, a vida de candomblé, a riqueza das crenças de matriz africana que bem alimentam a alma da dengosa Bahia.

A história de Nanã, seu cabaré e a casa na Avenida Itabuna permanecem como uma lenda na memória de Ilhéus. Não há registros oficiais, apenas o sussurro de uma vaga e longínqua lembrança. Muitos acreditam que a estória dela e da casa que abrigava futuras mães de santo seja apenas folclore, um conto popular construído por gente comum que a quiseram rivalizar com a Maria Machadão e seu Bataclan, imortalizados por Jorge Amado em Gabriela, Cravo e Canela.

No final, Nanã parece morar apenas em mim. Parece que só eu sei que ela foi real. A visitei certa feita. Já quase cega, encontrei-a sentada na varanda do bangalô - agora tomado pelo mato, distiorado, cuja pintura parecia em pânico diante da decadência. Não entrei nem pedi pra visitar a fonte. Havia levado vaso com flores e uma caixa de chocolates. Demorei pouco. Ela não conseguiu lembrar quem eu era. Tirei uma foto ao seu lado mas, infelizmente, não sei onde foi parar este registro.

E assim, desta lembrança de Ilhéus tudo parece que foi engolido pelas areias movediças do tempo e onde existiu um dia uma profusão de sentidos, signos e significados - lá donde o visível e invisível, o sagrado e o profano, o poético e o prosaico andavam de mãos dadas, restaram apenas ruínas e o perfume irreconhecível dos frutos da terra.