sábado, 29 de abril de 2023

Uma fábula anônima, digna do Borges

 

Sísifo, Marcus Perez, 2010


Assim que morreu, Juan encontrou-se num belíssimo lugar, rodeado pelo conforto e beleza que sonhava. Um sujeito vestido de branco aproximou-se:

- Você tem direito ao que quiser, qualquer alimento, prazer, diversão...

Encantado, Juan fez tudo que havia sonhado fazer durante a vida. Depois de muitos anos de prazeres, procurou o sujeito de branco:

- Já experimentei o que tinha vontade. Preciso agora de um trabalho, para me sentir útil.

- Sinto muito, disse o sujeito de branco, mas esta é a única coisa que não posso conseguir. Aqui não há trabalho.

- Que terrível, disse Juan, passar a eternidade morrendo de tédio. Preferia mil vezes estar no inferno.

O homem de branco aproximou-se e disse em voz baixa:

- E onde o senhor pensa que está?


(Edição 52 – Guerreiro da Luz Online, by Paulo Coelho)

sábado, 22 de abril de 2023

instante 54

 

The End of the Quest, Frank Dicksee, 1921


 

durante muito tempo

cuidei apenas de mim


houve um tempo

em que cuidei da minha mãe


hoje cuido da casa, atento

ao desperdício de tempo


preciso conquistar diariamente

o direito de viver um último instante


 

sábado, 15 de abril de 2023

instante 58

 

Fire Eye, Vajda Lajos, 1938


 

quando era criança

morria de medo da noite

 

com o olhar em chamas

vidrado nas fissuras das telhas

das casas velhas onde morei

(a ouvir o vento gelado da madrugada

assoviar a cortina que se fingia de porta)

pensava:

- um dia hei de criar refletores da luz solar

em volta da Terra

para eliminar a noite...

 

e daí, cresci...

o máximo que consegui

foi pesquisar sobre Ólafsfjörður

e não senti um pingo de saudade