sábado, 7 de janeiro de 2023

instante 50

 

Eternal Illusion, Wojtek Siudmak, sem data




... nunca mais

é muito tempo


deve existir

um espaço

entre o sempre

e o agora

onde seja possível

te reencontrar


 

sábado, 31 de dezembro de 2022

Longitudes

 

Charles I in three positions, Anthony Van Dick, 1636




A História Ocidental

É a história

De um conflito interminável

Entre três irmãos

Pela posse da Terra

(Que por ser de todos

Nunca foi e jamais será

De nenhum em particular)


Alexandre encontrou o Oriente

Marco Polo também

Os Portugueses, os Ingleses, todos

(Inclusive os Beatles)

Encontraram o Oriente

Depois do próprio ter encontrado a si

E do alto da montanha amuralhada

Permitir que todos os turistas vazem

E levem pra bem longe sua infeliz doença…


A história ocidental

É a história de um trauma não resolvido

(E muito mal tratado – individual e coletivamente),

Sobre a qual o Oriente caga, anda

E com toda a compaixão do mundo,

Se esbalda de rir


Mas alimentemos o jardim, construído nas nuvens

E quem sabe, finalmente Deus acorde,

Incomodado pelo perfume das flores

E o zumbido das abelhas

E finalmente sejamos todos contagiados

Por uma ideia verdadeira e substancial

Bem mais simples e real… mesmo que o Oriente

Continue a rir de nós, do nosso jeito adolescente



sábado, 24 de dezembro de 2022

valeu, adeus

 

The Distance Between the Landscape and Dusk, Kansuke Yamamoto, 1956


sim, quero a última brisa, o último orvalho

o derradeiro canto do bem-te-vi

e o vôo rasante do rasga-mortalha…


sim, deste mundo quero a última mirada,

o último ruído e o definitivo arrepio…


(eis que, no limite, percebo

que amar é descausar desconforto

e, pacífico, recuar com um beijo)


sim, seguirei ao último instante

em busca da palavra

que legue à posteridade meu último suspiro…


(mas eis, quem sabe aconteça

ficar num hiato mudo, entre a vigília e o sono

na misteriosa passagem

onde o inverno entrega à primavera

o magnífico comando das coisas e dos nomes…)


e acaso ocorra me faltar o fôlego

para encerrar esse último e simplório ato

mesmo desbotado

ensaiarei um sorriso largo

e talvez, alcance apenas dizer: valeu

adeus!