sábado, 30 de julho de 2022

fardo

 

Os Portadores de Fardo, Vicent van Gogh. 1881


é um fardo ser

eu que já fui fardo para minha mãe

para os meus amigos

para os meus amores

que passo boa parte do tempo

a arrastar correntes fantasmagóricas

que mesmo dificultoso

nunca me deixei ir que nem pedra

ladeira abaixo despencado

mas ao contrário sempre insisti

em empurrar morro acima

a peso de ser eu…


almejei ser pluma um dia

porém o máximo que consegui

foi esvoaçar vagabundo

feito saco plástico

tangido pela ventania

em plena praça pública

silenciosa e vazia


é um fardo ser eu

que nunca me molestei por minhas faltas

que nunca encarei as minhas falhas

que nunca ri da minha gravidade

que nunca arremessei longe a carga

e mesmo desconfortável

ainda me dou tanta importância

ainda me ufano das minhas pretensões

ainda nutro esperança de um dia virar estátua

e servir de cagadouro para pássaros


 

sábado, 23 de julho de 2022

instante 49

 

Nu, George Seeley, 1910


me recolhi

acendi o candeeiro

sussurrei canções de ninar

deitei no colo da Terra

e quietei

a observar a semente

cumprir seu propósito:

nascer

na primavera…




sábado, 16 de julho de 2022

exercício de beleza

 

Google Imagens


a família gil é linda

e, que nem na canção,

continua linda, continua sendo…



a família gil somos nós,

passado e futuro redimidos

harmonia entrelaçada em nós

tal qual um destino, uma sina

longe, bem longe do odor das bestagens da besta



quero fazer parte da família gil

rir que nem ri a família gil

cantar como cantam

brincar como brincam

amar como amam

viver como vivem

a posar bem na foto

que só a família gil é capaz de posar



a família gil é um presente

brasileiro, genuíno, além de todo truque

não tem pegadinha na família gil

não existe surpresa ou estranheza

na família gil, tudo ali é,

nada é obscuro, não existe subterfúgio

muito menos ardil…

com a família gil não existe paradoxo

ninguém ali viajaria no tempo

com o propósito de impedir o encontro

da dona Claudina Passos com o ‘seu’ José Gil Moreira

e a gênesis da Bela, Flor, Sol, Sereno, Bem…



brisa refrescante e fecunda, a família gil

habita o extremo oposto das tempestades

lugar gentil, tal qual

um dia de festa em qualquer lugar do mundo

possível, ao lado de parentes, amigos, aderentes,

colegas, conhecidos, vizinhos e transeuntes

e de quem mais queria chegar

e botar fé nos deuses

na força dos orixás

honrar e celebrar

o sacrifício ético

exercício de transubstanciação

da arte de ser

nada além

que mero humano