A bandeira da onça, Ariano Suassuna, Pedra do Reino, 1970
ah,
minha alma mais antiga
meu
nordeste encantado
sertão,
caatinga
relampejar
de
delírios
oitava
acima
do normal
voz
a
desafiar lonjuras
desgraças
e saudade...
ah,
galega,
moira minha, tudo no nada
meu
engenho, meu mel
minha
cachaça, pão cozido
em
miragens
nordeste
recheado de reinos,
dragões,
pavões misteriosos, visagens
príncipes
e princesas,
bandoleiros heroicos, amores fatídicos
vinganças
homéricas, dores abissais
matutos
astutos quais semideuses
e
madrastas
cruéis
que nos roubam os pais
em
luares habitados de presságios e
rapinas
ah,
meu nordeste de
infinitos
tempos
cruzados
na
ciranda melancólica das horas
que
a fantasia se nos cumpra e salve
da
secura do clima e dos hereditários coronéis
meu
nordeste dos bumbas e pastoris
maracatus,
cavalhadas...
folguedos
doces, tão doces quanto as
cocadas
os
quebra-queixos, rapaduras e queijadas
que
as
mestras
(sacerdotisas
pagãs
avalistas
do mistério cristão)
entregam
aos corpos e às almas
em
terreiros
e quintais, a
hóstia comezinha
o
espanta-medo
das
mulheres-meninas
que
choram solidões dos seus meninos-homens:
galalaus
em
longínquas
partidas
prisioneiros
de promessas
ah,
meu nordeste
apesar
de tudo, no lugar de lágrimas
forjaste
um sorriso estridente
eita
gargalhada estrondosa
gaitada
sonora, fórmula
mágica
capaz
de silenciar
o Olimpo
e
perpetuar um modo
de vencer o medo,
de
preservar a vontade
de
tornar o mar um dia
habitante
sempiterno
do
sertão.