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sábado, 1 de fevereiro de 2020

Amor com amor se paga


House over the Waterfall, Jacek Yerka, 1981



Os primos decidiram que era hora de construírem uma casa. Após altos e baixos, culpa sem fim, medo, inveja, mágoa, baixa autoestima, profunda repressão sexual... me aparecem com aquela propaganda de que a “fé move montanhas” e cantaram, ao pé do meu ouvido cansado velho de guerra, a fatídica bola: ou estava dentro ou levaria um pé da bunda de afundar o queixo.
Pedi ajuda pra minha mãe. Solicitei que baixasse numa médium conhecida sua e mandasse um recado às madrastas tias: “livra meu filho desse atropelo ou me sinto liberada para divulgar tudo que vocês fizeram nos verões passados”. O jogo é duro e pesado: amor com amor se paga.
E lá vai um bom tempo desde que começaram a discutir de que tipo seria a decoração e qual sistema de segurança é mais adequado para uma família classe média, moradora de condomínio, com salário dos bons (daqueles que permite sustentar quatro filhos dispostos a torrar o capital, e reputação, sem o menor constrangimento), além de sustentar uma doméstica (que é praticamente da família) que trabalha sete dias por semana e por se recusar a dormir no emprego, sob o falso pretexto de que tem filhos pra cuidar, pode ser mandada pro olho da rua, por justa causa, e ainda ser processada por perdas e danos morais.
Cara, me divirto com os primos. Contemplo suas brigas e o vai e vem de suas decisões – ora assim, ora assado – e me deleito com a possibilidade de que acabem mesmo ficando no mais completo relento, acompanhados por seus fiéis escudeiros (que, à boca pequena, já deram o toque que só estão na jogada porque sabem que podem cobrar na Justiça Trabalhista uma indenização digna de divorciada de celebridade quando o “amor” acabar. E vai acabar).
Não faço a menor ideia do que move os primos. Aliás, faço… e abomino: suas atitudes e opiniões fazem a gente desejar viver ao lado de um daqueles traficantes evangélicos que se divertem incendiando terreiro de orixás só pra manter o consumo de cocaína dentro de padrões socialmente aceitos e assim terem suas atividades reconhecidas como de utilidade pública.
Os primos não são flores para se cheirar mas, como sou cuidadoso com esse negócio de relações parentais, tenho que dar uma de migué, fazer de conta que estou dentro, que compartilho de suas loucuras. Para tanto, aprendi a dissimular minhas dores (que às vezes é interpretada como bichice, boilagem, perobagem...) diante da potência que os primos fazem questão de apregoar em todos os reality show’s que, à custa de um bem empregado jeitinho, tem feito a alegria da moçada nestes últimos tempos à espera de um final para esta novela metida a besta, cujo único objetivo é manter os privilégios de sempre entre os dedos dos manjados manipuladores.
Aqui entre nós, os ignóbeis primos descobriram a fórmula de capitalizarem a mensagem de que são uma alternativa perfeitamente válida pelo simples fato de que em tempo de incerteza, se não se há resposta certa, a burrice conta.
Estou fora. Que os primos se lasquem entre as paredes do inferno que ergueram. E fico por aqui, a me reservar o direito e ser um tantinho mais cruel que eles. Atocha qu’eles bobeiam!

sábado, 25 de janeiro de 2020

Um bom dia para desenterrar tesouro


Ilustração de N.C.Wyeth 
para o livro A Ilha do Tesouro
de Robert Louis Stevenson



Thomas Clement Douglas era um pastor batista, nascido na Escócia, que tornou-se um proeminente político social-democrata no Canadá. Como primeiro-ministro da província de Saskatchewan, de 1944 a 1961, pelo partido CCF (Cooperative Commonwealth Federation), liderou o primeiro governo socialista da América do Norte e introduziu o modelo de saúde pública universal, o Medicare. Morreu em 1986. Lembrado por sua sagacidade e atuação destemida em favor dos direitos constitucionais, em 2004 foi eleito o maior canadense de todos os tempos. A Carta dos Direitos de Saskatchewan precedeu, em 18 meses, a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU. Seu idealismo pode ser reconhecido neste conto político conhecida como Mouseland, contada por ele num discurso proferido no ano de 1944. Vamos à fábula:

Esta é a história de Ratolância, uma país semelhante em tudo aos demais. Ali, os ratos viviam e brincavam, nasciam e morriam. Da mesma maneira que eu e você. Em Ratolândia tem casa, tem rua, tem praça, tem fábrica, igreja, escola, hospital… tem também Parlamento. Por isso, a cada quatro anos os ratos faziam uma eleição. Iam às urnas e votavam. Como você e eu. E todas as vezes, os ratos, os camundongos e as ratazanas elegiam um governo. Um governo composto de grandes e gordos... gatos pretos.
Se você acha estranho que ratos escolham um governo composto de gatos, basta olhar para a história do Canadá nos últimos 90 anos e talvez você perceba que eles não são mais idiotas do que nós.
Não tenho nada contra os gatos, acho até que são boa gente… Conduzem o governo com dignidade. Aprovam boas leis - isto é, leis que são boas para os gatos. Mas as leis que são boas para os gatos não são muito boas para os ratos. Uma das leis diziam que os buracos de ratos têm que ser grandes o suficiente para que um gato possa colocar a pata. Outra, obrigava os ratos a viajarem em certas velocidades - de modo que um gato possa tomar seu café da manhã sem pressa. Todas as leis são boas leis…. para gatos.
A vida era dura para os ratos. E foi ficando cada vez mais difícil. Cansados desse estado de coisas, os ratos decidiram que precisavam fazer algo a respeito. Chegaram à conclusão de que deveriam votar, em massa, nos gatos brancos porque eles tinham feito uma campanha fantástica, cujo slogan era: “Abra seu olho”. Em todos os meios de comunicação apareciam os candidatos brancos afirmando: “O problema de Ratolância são esses buracos de rato redondos que temos. Vote em nós que criaremos buracos de ratos quadrados."
E fizeram. Só que os buracos de rato quadrados eram duas vezes maiores do que os buracos de rato redondos, e agora um gato conseguia colocar não uma, mas as duas patas. E a vida foi ficando mais dura do que nunca. Quando os ratos não aguentaram mais, votaram e trocaram o governo dos gatos brancos por… gatos pretos.
E a cada eleição votavam ora nos brancos ora nos pretos. E houve uma eleição, que pra variar, votaram em gatos meio pretos e gatos meio brancos. E chamaram isso de coalizão. E na eleição seguinte votaram nos gatos com manchas. Como podem ver, meus amigos, o problema não é com a cor do gato. O problema é que eles eram gatos. E porque são gatos, naturalmente cuidam de gatos em vez de ratos.
E aí surgiu um ratinho com uma ideia. E disse aos outros ratos: "Por que continuamos a eleger um governo composto de gatos? Por que não elegemos um governo composto de ratos?"…
- Oh, disseram, ele é um comunista. E o colocaram na cadeia. Mas esta é uma atitude inútil, de nada adianta. Afinal, os carcereiros jamais conseguem prender uma ideia e basta que ela consiga entrar na maioria das cabeças para, finalmente, tornar-se realidade”.


domingo, 12 de janeiro de 2020

Contexto


Máscaras Sensoriais, Lygia Clark, 1967



Era uma casa muito engraçada
não tinha teto não tinha nada
ninguém podia entrar nela, não
porque na casa não tinha chão…
Vinicius de Moraes, A Casa

... Ao perceber que tinha ficado para trás, que tinha sido superado, ao invés de renovar-se, decide investir contra a evolução: passa a exaltar preconceitos estúpidos e a infame ignorância, elegendo-os bússola para a vida… Não admite, por frustração e mágoa, que as coisas decaiam naturalmente… Trabalha com afinco pela antecipação do fim… E ao olhar o futuro, por conta desse antipático paradigma, brada: se vamos todos morrer um dia que tal morrermos agora?… E traça seu projeto.
... Com promessa de reembolso, o verdugo sobe ao púlpito e com voz embargada (tom de gentil paternidade) lê 300 tábuas de lei num idioma severo, especialmente criado para a ocasião… Insanas, para honra e glória do mercado, as ovelhas entram no cio e, enquanto sacrificam consentidos nacos de nossas carnes, exaltam método tão canônico de desdizer os fatos, os objetos e as coisas… Apesar das aparências, vivemos bem – aparvalhados, verdade - porém, a salvo dos tiranos insepultos do passado por vênias dedicadas.
... Blindado pela vulgar mediocridade da notícia-mercadoria imposta pela hegemonia dos meios de comunicação dominados pelo conceito de lucro, o simplório torna-se refratário à racionalidade, à reflexão crítica e à educação política, restando suscetível apenas ao pensamento mágico articulado por consentidos e articulados vigaristas.
... Você sabe de onde vem o soco, de onde vem o choque, de onde vem o golpe… Você sabe dessa história o novelo, a ponta e o nó, e ainda por cima acha porreta dizer que tá tudo okey quando compartilha o vídeo do rapaz sendo torturado no quartinho do supermercado… Você sabe e acha legal… Você sabe dessa lógica, a circular… Você sabe, dane-se…
... Não basta julgar, tem que condenar; não basta condenar, tem que demonizar; não basta demonizar, tem que desumanizar; não basta desumanizar, tem que segregar; não basta segregar, tem que corromper; não basta corromper, tem que abusar; não basta abusar, tem que dominar; não basta dominar, tem que odiar; não basta odiar, tem que humilhar; não basta humilhar, tem que explorar; não basta explorar, tem que herdar; não basta herdar, tem que exaltar; não basta exaltar, tem que vitimar; não basta vitimar, tem que culpar; não basta culpar, tem que julgar; não basta julgar, tem que condenar...


sábado, 21 de dezembro de 2019

Anônimos Para-choques II


Conversation, Jeffrey Smart, sem data




Macho que é macho não navega na internet: atravessa a nado.

Peito de mulher é igual autorama: feito para criança mas só adulto brinca.

É melhor duas abelhas voando do que uma na mão.

Todo mundo pratica suas maracutaias, apenas uns são mais honestos que outros.

A mentira é uma verdade esquecida de acontecer.

Todo mundo tem cliente. Apenas analista de sistemas e traficante tem usuário.

Se desejas saber a verdade não tenhas opiniões.

Casar é trocar a admiração de várias mulheres pela crítica de uma só.

Como pode o pobre sofrer de anemia se leva ferro todo dia?

Bebo pouco, mas este pouco me transforma em outra pessoa que bebe muito.

Se queres manter distância de alguém, torne-se seu vizinho.

Os ricos lucram até com a raiva. Odiar sai bem mais barato que doar.




sábado, 30 de novembro de 2019

O apresentador e eu


Autorretrato, Nam June Paik, 1983



O apresentador lê a notícia. Sobe o tom e, com ele, os pontos da audiência. Vende bem o peixe, o menino… Conforto para o bolso de acionistas, anunciantes, publicitários… doce colírio para o olhos de debutantes.
E num passe de mágica, eu sou o apresentador. Desfaço a sombra por um instante e confio. E pouco importa os fatos, pouco importa…
Eis que o apresentador é família… e eu sou ele, meu próprio astro, meu galã. Acima dos olhos, ocupo da sala, grave e solene… Fruo o gozo ao tinir o martelo da justiça enquanto cascavelo a narrativa estudada: poema bem feitinho para conduzir manada.
Quão humana é a minha (nossa) simpatia; vigorosa e sólida honestidade… Penso que talvez inexista alguém tão fácil assim, inteiramente construído de respostas. Alguém suporia outra intenção senão aquela que me (nos) sai da fala?
Apenas o amor constrói… Corra atrás dos teus sonhos… Invisível é a mão do mercado… A cada um, o seu mérito… Contra caspas, o inofensivo xampu de babosa vai bem, obrigado…
Ah, o espetáculo… essa roda viva onde a liberdade de expressão é mero artifício, inacreditavelmente realista, forjada verdade. Quantas dificuldades desumanas (?) que nos fogem nessa obra imensa de deus?… E os toques coloridos, sexy e perfumados que desenho em minha (nossa) pele... essa alegria e certeza fabricadas sob medida para o meu (nosso) figurino.
Porém, não demora e tudo se esvai. É quando fico (ficamos) abarrotado (s): há mais mundo do que posso (podemos) suportar. E é agora, que nós (o apresentador e eu), por força do hábito, sobramos como resto de sobremesa sobre a mesa, saciados, a par de tudo, lindos, arrumados, puros…
E antes do costumeiro boa noite, naquele instante em que olhamos finalmente nos olhos um do outro, silenciosamente nos arrepia o fato de que perdemos a capacidade de nos darmos conta de que a boniteza tem sido proporcional à nossa perversidade.
Mas, infelizmente, não há tempo para lamentar, não há mais tempo: um comercial nervoso está programado para nos atropelar, imediata e automaticamente.

sábado, 23 de novembro de 2019

A vagaba, o biltre e a fuzarca


Um casal, Fernando Botero, 1982



No Condomínio Bafafá, era uma vez, um carcamano das cavernas inventou de juntar armas com uma baranga e suas muitas horas de voo.
Com um crowdfunding realizado na igrejinha que os uniu, foram tirar proveito da lua de mel na Casa de Noca.
Feliz da vida, a pechenga enlouqueceu (no bom sentido) com a volta da tão acalentada dita dura.
O conúbio ia bem, com os dois concordando em jogar os podres para debaixo do tapete.
Porém, com o passar do tempo, a pulga foi ficando cada vez mais inquieta detrás da orelha da bruaca.
A conclusão inevitável era de que estava sendo passada pra trás, deixada de lado, esquecida num canto… essas coisas…
E decidiu vigiar as saídas à direita do estrupício com o qual dividia o sabonete.
E não é que a vagaba descobriu que o biltre gostava de uma fuzarca.
Até mantinha um quitinete, o bilontra, devidamente arrumada, para abater gente nas horas vagas.
A jabiraca não aguentou: montou guarda, grampeou telefones, instalou câmeras…
Ao fim e ao cabo, viu com seus próprios olhos que entrava de um tudo naquele antro de fodelança.
Uma hora era uma recatada, outra era uma do lar; teve a vez de uma limpinha, cheirosinha… e pintou até um halterofilista – miliciano chefe do tráfico de pornografia local.
Com um dossiê completo nas mãos, a mocreia resolveu enfiar aquele calhamaço nas fuças do traste.
Para que?! Nem bem articulou um dramático why?, sentiu suas amígdalas voarem na direção do olho da rua.
Decidida a buscar reparação, deu entrada no quartel mais próximo e registrou queixa crime de maus tratos afetuoso.
Conseguiu, com ajuda de alguns pariceiros, a formação de uma cúpula jurídico-midiática-militar para estudar o caso.
Após mútuas e demoradas consultas, acabaram por decidir pelo arquivamento do processo sob tutela do princípio de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”.
Publicado o acórdão em três vias, a coisa medonha levou pra casa a recomendação de que deveria pensar melhor, buscar meios mais civilizados de reparação.
Mas, como já não havia mais meios civilizados, cogitou derramar água quente no ouvido do bandalho nefando e escroto.
Salvou-os um fariseu farmacopola, dublê de impostor trambiqueiro, que os fez pronunciar em voz alta, a gosto, todo dia, um novo, sonoro e tonitruante palavrão, insulto ou ofensa daquelas bem gratuitas.
E assim, viveram infelizes para sempre, para desespero dos vizinhos.



sábado, 16 de novembro de 2019

A vida como ela é


Katya still life, Zenaida Serebriakova, 1923



- Mãe, não gosto de repolho.
- Coma, é o que tem.

Houve um tempo em que, na minha iluminada ignorância, achava que, no mundo, deveriam existir apenas as coisas que fossem do meu gosto e agrado.

Invariavelmente chateado por ter de comer aquilo que repugnava meu “nobre” paladar, ficava a imaginar porque o mundo era assim... Por que quiabo, maxixe, abóbora, tomate, alho, espinafre, agrião, beterraba, cenoura e repolho existiam?

E imediatamente, me punha a inventar um mundo onde tais “coisas desagradáveis” haviam sido eliminadas e restasse apenas o paraíso, isto é, um mundo feito exclusivamente de confeitos, salgadinhos, sorvetes, bifes e muito macarrão.

Mas aí cresci e, embora defeituoso, um dia lembrei daquele diálogo com minha pragmática e sábia mãe e compreendi que a vida é feita também daquilo que me desagrada e que, de nada presta esbravejar, sair por aí pedindo a destruição das verduras e legumes, a proibição de seu comércio nas feiras e supermercados, a erradicação definitiva de suas lavouras, a prisão, tortura e morte daqueles que as cultivam... Não, nada que eu faça, impedirá que vegetais continuem a fazer parte de dieta saudável, mesmo que eu continue a preferir um sanduba ao invés de uma bela e quentinha sopa de cebolas.

Idealmente posso pensar um mundo apenas com as coisas do meu agrado, mas a vida irá sempre colocar diante do meu nariz tudo que me desagrada.

E mais, se busco destruir aquilo que me aborrece, corro o risco de destruir a mim mesmo, pois gosto e desgosto fazem parte de um mesmo ecossistema: destruindo um, inevitavelmente destruo também o outro.

A verdade é que devo ser forte, amar a vida como ela é: só assim consigo penetrar nesse mundo de contrastes evitando acabar condenado a sobreviver na superfície, fraco, solitário, marginal, intolerante e triste.



sábado, 9 de novembro de 2019

Silêncio


Nina Akin, Alemanha


Três lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que escapam ao nosso controle é que entramos num hospital. Já numa repartição pública, em geral, costumamos perder o controle.
Certa feita levei Mainha a um pronto socorro: Insuficiência respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se pela internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente, alojar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas, dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
Entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti falta de algo. Algo que não vejo há tempo. Bem, não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo da vida.
Falo de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital: uma foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios a nos solicitar silêncio, a nos informar tratar-se ali de um local de circunspecção.
É certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir, certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela moça de branco.
Porém, com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho pela porta de trás. E na mercantilização da vida, administrada por uma burocracia insensível e desumana, a reverência cedeu lugar a informalidade do banal.
Dessacralizar o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, talvez ajude na recuperação... Porém, constato que o tom de voz nas dependências de um hospital, ultimamente, está alguns decibéis acima daquilo que a simpática enfermeira indicava.
Não raro, vemos em salas de visitas televisores sintonizados, em programas policiais, novelas ou ante sala dalguma celebridade, enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza, vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam impressões como se estivessem num botequim ou no portão de suas casas. Nos supermercados somos mais reverentes.
Dirão que exagero… E que cada povo busca afirmar-se em seus próprios valores, atitudes e ideais. E justamente por sermos o país do carnaval e do futebol, somos assim tão expansivos, inquietos e exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda preferimos tagarelar feito maritacas? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera aquilo que não é igual.
De qualquer modo, o atendimento excedeu as minhas expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos profissionais que as exercitam sem deixar de mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um angustiante “na onde o senhor vai?”
Em momentos tais, costumo ficar dividido: Somos um caso de polícia, uma questão de saúde pública ou apenas um erro de português?



sábado, 28 de setembro de 2019

Mural das Indiscrições VII


Marching Women, Alaa Award, 2012



Toda religião um dia será mitologia.

Uma imaginação imperfeita é fonte maior de prazeres.

Louco é aquele que tenta nos convencer da sua sanidade.

Tudo se faz por amor, inclusive errar.

Apenas o amor vale a pena e a pressa; o resto é angústia do tempo.

Somos todos mulheres, porém algumas tem útero.

O medíocre busca sempre transformar privilégio em direito.

Antes de levar um soco todo homem é autossuficiente.

Em geral, o ser humano, é educado antes de ser rude.

Na mídia, todo idiota é altamente qualificado.



sábado, 21 de setembro de 2019

Fábula com notas


O Futuro chegou faz pouco, Fede Biagioli, Argentina



Como se ocorresse num conto futurista (no velho e mundialmente consagrado estilo science-fiction opera), meia dúzia de cópias piratas de personagens mal-ajambrados e toscos invadem a cidade e causam um tremendo estrago com sua linguagem chula, injúrias e insultos pornograficamente inaceitáveis.

Através de edital, o chefe da polícia convoca o Homem “Branquinho” - super-herói pau-para-toda-obra e professor particular de gramática, para dar um jeito naquelas monstruosidades atentatórias aos costumes talentosamente criativos do povo do lugar.

Pintada como o combate do século, pelas forças de segurança(1), a porrada come solta em cada canto, cada beco, cada brecha da lei, sem nunca se atrever disputar audiência com a novela das nove por justa e legítima reivindicação da primeira e única rede de mídia nacional.

E tal qual nos conflitos épicos típicos, o herói apanha pra chuchu no começo para somente no final conseguir realizar seu objetivo que, coincidentemente (2), devido a providencial ajuda das mais requintadas agências de propaganda, é o mesmo da população que o assiste e acompanha através das redes sociais e dos costumeiros noticiários e comerciais.

Chegado neste ponto, imediatamente após o estupro da liberdade de expressão pela intolerância, o herói oficial consegue finalmente apagar do sistema, um a um, as esdrúxulas criaturas – não sem deixar um rastro de más recordações e péssimas lembranças, o que é perfeitamente normal e aceitável, já que, diz o adágio popular, não se faz omelete sem quebrar alguns ovos.

Com o tempo ficamos sabendo que tudo não passou de uma cortina de fumaça. Tinha sido o prefeito, dono de empreiteira, o cérebro por trás daquelas criaturas. Tudo fizera para destruir a cidade, com o propósito de pressionar a população na aprovação de novas e vultosas verbas para a construção de um novo empreendimento que atraísse turistas do mundo inteiro para a sua rede de hotéis temáticos arrendados a preço vil para um conglomerado de mídia internacional, exatamente o mesmo encarregado de transmitir ao vivo, através de sua cadeia de televisão, toda a movimentação de tropas pela libertação da rua de baixo das garras sangrentas e ignóbeis dos autonomistas prejudicados que atuam em conluio com uma legião de multifacetados criadores de trovas e quadrinhas.

Em meio aquela confusão, o alcaide não só embolsou a grana como, pê da vida, ateou fogo em tudo e foi curtir a boa vida, de braços dados com Madame (aquele caso perdido que não vale a pena discutir), no paraíso fiscal conhecido como La House of Nooca, longe e a salvo dos mosquitos, saúvas e cucarachas.
E todos – uma fauna e flora exuberantes e com alta taxa de diversidade – viveriam infelizes para sempre, sem nunca encontrarem o rumo de casa, não fosse o pessoal de Bacurau chegar a tempo de impedir que aquela lambança continuasse.

No apagar das luzes, quando já estávamos prontos para a subida dos créditos, a comunidade serenamente irritada, de saco mui cheio e com uma peixeira nos dentes, pegaram o prefeito, sua curriola e cupinchas dos naipes executivo, legislativo e judiciário, botaram pra pentear macacos, catar coquinho, chupar pregos até virar tachinhas e foram aplaudir o pôr do sol porque o amanhã, entre nós, reza a lenda, fica pra depois e nada é tão urgente que não possa esperar uns cinco minutinhos.


Notas
(1) As mesmas que, na ausência de um inimigo externo, faz com que seus generais, visando manter as tropas em prontidão, insistam na velha e surrada manobra de inventar um saco de pancada local no qual - tais cachorros loucos - possam descarregar seu ódio na porção mais fraca da raça humana. Dizem os mais proeminentes psicanalistas, tratar-se de uma profunda negação do self, misturado com um alto teor de vergonha pequeno-burguesa, pelo fato de serem todos filhos da tia do cafezinho com o motorista do patrão.

(2) Na tenra idade, talvez anterior ao útero, aprendemos que privilégios são inatos. Desta forma, certos uns (segundo a teoria da meritocracia e chancelada pelo personagem mítico conhecido pela alcunha de meupapai) não têm o que temer quando se trata de disputar o filé na Colina dos Recursos Escassos.



sábado, 7 de setembro de 2019

Da Religião


Vaca Sagrada, José Luiz Guerrero, México



Robert M. Pirsig, filósofo: “Quando uma pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama Religião”

Isaac Asimov, escritor: “Todas as religiões são a verdade sagrada para quem tem a fé, mas não passam de fantasia para os fiéis das outras religiões”

Anatole France, escritor: “A religião prestou ao amor um grande serviço, fazendo dele um pecado”

William Shakespeare, dramaturgo: O  diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém”

Edir Macedo, empresário da fé: “Ela (a religião) é a criação satânica mais nefasta da face da Terra”

José Saramago, escritor: “O problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama”

Franz Kafka, escritor: “O inferno só existe onde existe religião”

Miguel Couto, médico: “Vinte séculos de cristianismo não fixaram o homem na humanidade”

Edir Macedo, industrial da fé: “O Espirito Santo não quer que você bata palmas. Ele quer que você meta a mão no bolso e pague as nossas contas

Napoleão Bonaparte, líder político e militar: “A religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos”

Stendhal, escritor: “Todas as religiões são fundadas sobre o temor de muitos e a esperteza de poucos”  

Jonathan Swift, escritor:Nós temos a religião suficiente para nos odiarmos, mas não a que baste para nos amarmos uns aos outros”

Mahtama Gahdhi, pacifista: “Eu seria cristão sem dúvida, se os cristãos o fossem 24 horas por dia”

Mário Quintana, escritor: “O milagre não é dar vida ao corpo extinto, ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo… Nem mudar água pura em vinho tinto. Milagre é acreditarem nisso tudo”

Shoron Brous, rabina: “Sabemos que a religião é parte do problema. Mas, será que ela é parte da solução?”

Para-choque de caminhão: “Jesus é o caminho. Edir Macedo é o pedágio”

Antinômico de Alexandria, o transparente: “Dê-me mil razões para crer em Deus e te darei outras mil para não acreditar”

 



sábado, 17 de agosto de 2019

Manifesto


Is It True What Say Abaout Dixie
Rosalyn Drexler, 1966



Para uma política descaradamente sem vergonha, em tempos de verdades nuas, cruas e bestiais, sem qualquer papas na língua, sem freios, sem nenhum controle de qualidade mas com deus no coração, pela moral e bons costumes…

  • Divida o mundo entre o bem e o mal e fique acima dos dois com uma boa margem de segurança
  • Invente um bode expiatório e pregue nele a pior imagem que tiveres de ti mesmo
  • Ataque alguns pornograficamente e defenda desavergonhadamente outros
  • Demonize as minorias
  • Nunca brigue diretamente suas brigas, tenha sempre um pelotão do choque a postos para resolver a questão
  • Culpe sempre a vítima
  • Terceirize a morte de, pelo menos, um prejudicado por dia
  • Humilhe os sobreviventes, sem trégua e sem remorso, até que desistam de si e passem a acreditar que, longe de ti, não há salvação
  • Dissemine ódio e nojo a tudo que for singular, diferente e/ou divergente
  • Jamais dê satisfação a quem quer que seja, afinal tua liberdade é sagrada e ninguém paga tuas contas
  • Mantenha e aprofunde o sistema de classes e a isto chame de meritocracia
  • Sempre cordial com os amigos e cruelmente perverso com os inimigos (mesmo que eles sejam apenas adversários)
  • Transforme em virtude tudo o que em ti é banal, venal e/ou imoral
  • Tenha sempre à mão uma mídia que infantilize e imbecilize o maior número de mentes disponíveis
  • Sempre que fores flagrado em mal feito, aponte imediatamente o mal feito de outro
  • Faça de um tudo para destruir o Estado sem que isto o impeça, no entanto, de tirar dele o máximo proveito
  • Explore, mas explore muito, sem deixar de acusar os explorados de preguiçosos, vagabundos e indolentes
  • Jamais assuma tua torpeza (ou seus erros de português), porque o segredo do sucesso é acreditar piamente na própria mentira
  • Não vá para o inferno sozinho, dê um jeito de levar muitos seguidores




sábado, 3 de agosto de 2019

Relembrando diálogo teclado no dia da eleição


A Time for Fear, Jimmy Ernst, 1949



Tinha achado na rede social uma foto da letra B, em verde e amarelo (de tal modo a lembrar o número 13), mandei imediatamente para uma prima lá nas extremas. Alguns minutos depois, teclei:
– Gostou da propaganda subliminar?
– Você hein? Tá vendo coisas moço..... é um B maiúsculo do tamanho de um gigante.
– É que a letra B forma o número 13… não reparaste, olhe direito.
– Meu primo, com todo respeito, vermelho no centro do verde e amarelo não combina, concorda?
– Tá bom… que o 13 continue sendo o vosso pior pesadelo… bom domingo… ah, quando, eventualmente – tua fé te proteja – precisares de uma transfusão de sangue, exija sangue amarelo, combinado?
– Moço de Deus, apelar não vale.
– Apelando, eu? Vocês querem transformar o país numa pátria de canalhas, oportunistas, misóginos, racistas, homofóbicos e torturadores confessos e tem o desplante de dizer que apelo? Que o futuro tenha piedade de nós. Diga-me uma coisa, prima: num futuro governo desse sujeito, por minha consciência, serei considerado alguém passível de perseguição, tortura, desaparecimento e até morte… pergunto: você me defenderá?
– Ah, primo, suposição não vale…
– Vai vendo, prima… vai vendo… depois não diga que não foste avisada… é bom ir se preparando para o pior… ganhando ou perdendo, teu candidato ficará como uma nuvem radioativa pairando sobre nossas cabeças a assombrar o futuro.
– Só Deus para nos salvar… o que eu escuto é que: só os fora da lei estão apavorados… na questão política, não entendo nada, sou uma verdadeira alienada. A única coisa que vejo é que estamos vivendo num mar de lama e que alguém tem que por ordem nessa baderna. Seja quem for, assim é que não pode permanecer.
– Beleza, prima… continue sem entender nada, faz bem à vista. E obrigado por me considerar um fora da lei, isto me deixa muito mas muito apavorado mesmo. Ah, espero que mantenhas tua coerência e não votes no candidato a governador do teu estado, eleito por três vezes e muito bem avaliado nacionalmente. Ele é 13, sabia? E tem o desplante de manter um programa vagabundo chamado Samu Aéreo que, semana passada, teve a ousadia de ir até a cidade dos nossos avós buscar a (…) para realizar um cateterismo na capital. Tens toda razão, precisamos livrar o Brasil dessa baderna.



sábado, 20 de julho de 2019

Estado Policial S.A. - Um paraíso liberal


Google Imagens 



A democracia é um regime de equilíbrio delicado. Em meio a tiranos esclarecidos, bandidos inteligentes, democratas frouxos e estúpidos de todas as cores, vicejam os manjados liberais: aqueles que jamais se arriscam em mudanças (a não ser que vejam polpudas vantagens em seus horizontes) e por isso são chamados de abomináveis. Foi da boca de um deles que saiu a frase: em bolso que está ganhando não se mexe.
Vez por outra, surgem abalos no tecido frágil da democracia. E dado que nós, brasileiros, temos pouca experiência nesta área, além de uma prática de baixíssima qualidade, tudo indica que caminhamos novamente em direção de uma singularidade.
E desta vez, o horizonte nos aponta uma inusitada distopia: um estado policial governado por… banqueiros – os sujeitos mais liberais do mundo, coadjuvados por gorilas de todos os tamanhos e coturno além de uma malta de badboysaqueles tais que sempre surgem das sombras do fundo da sala com a salvadora promessa de dar um “corretivo” na vadia da democracia.
E aí me vem à lembrança o filme Robocop – O policial do futuro. Sobretudo, salta da memória o fato de, naquela ficção, o serviço de segurança opera entregue à iniciativa privada.
Assalta-me então a perspectiva de termos Forças Armadas (Exército, Marinha, Aeronáutica) e mesmo Serviços de Inteligência e Contra-Inteligência do Estado, geridos por executivos oriundos das melhores business school do planeta… sentiram o drama?
Um estado policial urgido pelo deus-mercado. Com ações na bolsa e sujeito às flutuações monetárias. O estado dos sonhos de todos os liberais do planeta. Um mundo onde até a repressão, prisão, tortura e morte transforma-se em negócio lucrativo controlado pelo Banco Central e respaldado pela doutrina da prosperidade contida nas pregações dos melhores e mais ricos televangelistas da paróquia.
E não haverá remorso (exceção à perda de capital) porque, num mundo assim, sem choro nem vela, tudo estará escancarado, não haverá pudor e deus é conosco. Ninguém terá vergonha de investir suas economias nas melhores e mais competentes tiranias e ditaduras existentes pelo mundo afora, desde que elas façam crescer o nosso patrimônio.
Afinal, do Estado não se espera mais nada. Mesmo porque prescindirá de cidadãos para legitimá-lo, agora que teremos apenas acionistas, investidores e dizimistas à cata de uma razoável taxa de retorno.



sábado, 8 de junho de 2019

humano demasiado humano


Face and Space, Nina Tokhtaman Valetova, 2015



… o inimigo público número um lê a bíblia todo dia
o torturador aprecia música clássica e livro de autoajuda
o mestre da infâmia adora ajudar velhinhas a atravessar a rua
o homem cordial não tem um pingo de empatia
o sonegador de impostos exige nota fiscal
o cara mais rico do mundo tem baixíssima autoestima
o ateu empedernido não abandona seu patuá
o dono da verdade não consegue fazer amigos
o abnegado filantropo é um tremendo mão de vaca
o cara mais honesto da paróquia adora uma fofoca
o moralista de plantão é rude com a mãe
o gênio da raça adora cheirar o próprio peido
o maior poeta vivo come caca de nariz
a mulher mais bonita do planeta tem um mau hálito incurável…



sábado, 16 de março de 2019

O instrumento


Project design stage for a fitness, Fernand Lager, 1935



Mandaram a minha instrutora embora: corte de custos. Fiquei sozinho nesse mundo mecânico de moldar e manter músculos. Estou triste. Com quem irei trocar beijinhos, três vezes por semana?
Com o novo instrutor é que não - eis um gritador, marcador de movimentos, como se estivesse nalgum filme de superação – daqueles bem piegas… Larga do meu pé, sujeito chato, chega de mantras e exortações… 1,2,3,4… 4,3,2,1… Vamos lá!
Preciso de mais carinho. Preciso que a Lilian volte. Porém, o sistema diz que ela é um ponto fora da curva do lucro e portanto foi dispensada, assim, sem dó nem piedade.
E nós ficamos… a menina do violino, o garoto do carro branco, o executivo de férias, a família que malha unida… solos e mudos, sem olhar nos olhos dos outros…
Os donos estão bem, nós é que não.
Caí numa armadilha. Deixei de caminhar duas horas no parque da Universidade e agora tenho que ficar levantando peso, um quilometro distante de casa, por culpa do cardiologista da clínica de geriatria que adquiriu controle sobre a minha vida baseado numa única preocupação: evitar que eu baixe hospital e venha a dê despesa pro governo.
Quero voltar ao começo. Quando disse pra Lilian que tinha colocado uma ponte de safena e que precisava ganhar força e ela me disse, sem que eu perguntasse, que era casada com outra menina e estavam felizes em busca de um novo apartamento e que eu lembrava seu pai mas que era diferente por conta de que ele nunca aceitara seu convite de treinar pra perder a barriga… naquela tarde bateu uma química. Logo que chegava, vinha eu com minha saudade e ela ofertava seu sorriso doce e a vida ficava maravilhosa por alguns minutos.
Agora estou triste. Cada vez mais difícil fazer amigos. Temo que acabarei sozinho, ao lado daquele instrutor meia boca, que só sabe gritar, ser antipático e trabalhar para produzir instrumentos fortes e burros.


domingo, 7 de outubro de 2018

Diálogo no dia da eleição


Google Imagens



(Alguém publica, numa rede social, uma foto da letra B, em verde e amarelo, de tal modo a lembrar o número 13)
- Propaganda subliminar: tem um 13 nessa letra… kkkk
- Você hein? Tá vendo moço..... é um B maiúsculo do tamanho de um gigante.
- É que a letra B forma o número 13… não reparaste, olhe direito.
- Meu primo, com todo respeito, vermelho no centro do verde e amarelo não combina, concorda?
- Tá bom… que o 13 continue sendo o vosso pior pesadelo… bom domingo… ah, quando, eventualmente – tua fé te proteja – precisares de uma transfusão de sangue, exija sangue amarelo, combinado?
- Moço de Deus! Apelar não vale.
- Apelando, eu? Vocês querem transformar o país numa pátria de canalhas, oportunistas, misóginos, racistas, homofóbicos e torturadores confessos e tem o desplante de dizer que apelo? Que o futuro tenha piedade de todos nós. Diga-me uma coisa, prima: num futuro governo Bolsonaro, por minha consciência, serei considerado alguém passível de perseguição, tortura, desaparecimento e até morte… pergunto: você me defenderá?
- Ah, primo, suposição não vale…
- Vai vendo, prima… vai vendo… depois não diga que não foste avisada… é bom ir se preparando pro pior… ganhando ou perdendo, teu candidato ficará como uma nuvem radioativa pairando sobre nossas cabeças a assombrar o futuro.
- Só Deus para nos salvar… o que eu escuto é que: só os fora da lei estão apavorados… na questão política, não entendo nada, sou uma verdadeira alienada. A única coisa que vejo é que estamos vivendo num mar de lama e que alguém tem que por ordem nessa baderna. Seja quem for, assim é que não pode permanecer.
- Beleza, prima… continue a lavar as mãos… e obrigado por me considerar um fora da lei, porque estou muito, mas muito apavorado mesmo. Ah, espero que mantenhas tua coerência e não votes no candidato a governador do teu estado, eleito por três vezes e muito bem avaliado nacionalmente. Ele é 13, sabia? E tem a cara de pau de manter um programa vagabundo chamado Samu Aéreo que, semana passada, teve a ousadia de ir até a cidade dos nossos avós buscar a nossa prima para realizar um cateterismo na capital. Tens toda razão, o Brasil precisa mesmo do teu bom cristão, alguém que tenha trabalhado tanto pelo seu estado que por lá, hoje em dia, não existe viva alma que não usufrua da paz, a paz dos cemitérios.